
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082336-87.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: TRAJANO FERNANDES
Advogados do(a) APELANTE: CONRADO DE MORAIS - SP434030-A, FERNANDA PARENTONI AVANCINI - SP317108-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082336-87.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: TRAJANO FERNANDES
Advogados do(a) APELANTE: CONRADO DE MORAIS - SP434030-A, FERNANDA PARENTONI AVANCINI - SP317108-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de período trabalhado como guarda municipal (12/3/2007 a 31/1/2016) e seu enquadramento como atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data de entrada do requerimento (DER).
A sentença, apesar de reconhecer a ilegitimidade passiva do INSS no que concerne ao pedido de reconhecimento da especialidade de período vinculado a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), julgou improcedente o pedido nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual requer a procedência integral de seus pleitos.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5082336-87.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: TRAJANO FERNANDES
Advogados do(a) APELANTE: CONRADO DE MORAIS - SP434030-A, FERNANDA PARENTONI AVANCINI - SP317108-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Inicialmente, verifica-se que o período em contenda não fora reconhecido pela autarquia previdenciária nos termos do despacho administrativo de 24/10/2022, o qual informou que “não foram computados no tempo de contribuição os vínculos com o Município de Andradas e com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública - SEJUSP, considerando não haver qualquer anotação em Carteira de Trabalho referente aos referidos vínculos, denotando a vinculação com Regime Próprio de Previdência Sociais – RPPS”.
Depreende-se, ainda, do procedimento administrativo juntado aos autos, que para a demonstração do período controvertido, o INSS determinou o cumprimento de exigência nos seguintes termos:
“CONSIDERANDO vínculo com o Município de Andradas e com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de SP, DEVERÁ apresentar DECLARAÇÃO desses órgãos informando a qual regime de previdência estava vinculado e para períodos de recolhimentos ao regime próprio apresentar CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO acompanhada da RELAÇÃO DAS REMUNERAÇÕES RECEBIDAS nos termos da Portaria MPS 154/2008 e/ou para os períodos de recolhimento ao INSS o órgão público deverá emitir a Declaração para fins de Obtenção de Benefício junto ao INSS, conforme modelo anexo.
CONSIDERANDO informação sobre exercício de atividade especial, DEVERÁ apresentar os respectivos formulários PPP emitidos pelas empresas nas quais exerceu esse tipo de atividade.”
Por sua vez, também se verifica que a parte autora não cumpriu a exigência autárquica, o que acarretou a improcedência do pedido administrativo.
Da atividade especial no regime próprio de previdência social
A possibilidade de contagem de tempo de contribuição entre regimes de previdência social distintos (contagem recíproca) é assegurada no artigo 201, § 9º, da Constituição Federal vigente, nos seguintes termos:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(...)
§ 9º Para fins de aposentadoria, será assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de previdência social, e destes entre si, observada a compensação financeira, de acordo com os critérios estabelecidos em lei”.
Nessa esteira, segundo se depreende do artigo 94 da Lei n. 8.213/1991, a contagem recíproca do tempo de contribuição a regimes distintos de previdência social pressupõe que o sistema no qual o interessado estiver filiado ao requerer o benefício seja compensado financeiramente pelos demais sistemas aos quais já esteve vinculado.
Sobre a questão ensinam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior (g.n.):
“... a simples reflexão sobre a existência de regimes previdenciários distintos induz a conclusão de que cada regime deverá certificar o tempo no qual o interessado esteve nele filiado, pois somente quem possui os assentos funcionais é que poderá promover a apuração do tempo de serviço público, sendo procedida a contagem recíproca apenas no momento em que o interessado requer o benefício, no regime em que será deferido, nos termos do disposto no art. 99 da Lei de Benefícios. Assim, não cabe ao INSS reconhecer o tempo de serviço ou de contribuição prestado em outros regimes." (in: Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 523)
Efetivamente, somente ao órgão de origem cabe reconhecer a nocividade da atividade exercida em período a ele vinculado, competindo-lhe, ainda, ressarcir financeiramente o outro sistema em razão de possível contagem diferenciada decorrente desse reconhecimento.
Ademais, a Súmula Vinculante n. 33 garantiu textualmente que as regras do regime geral sobre a aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, III, da CF/1988, aplicam-se ao servidor público, no que couber:
"Súmula Vinculante n. 33: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica”.
No mesmo sentido é a tese jurídica fixada no julgamento do Tema n. 942 da Repercussão Geral, a qual dispõe que as regras do regime geral sobre conversão de tempo especial em comum aplicam-se ao servidor público:
"Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República." (STF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Redator para o acórdão Min. EDSON FACHIN, Leading Case (RE 1014286), DATA DE PUBLICAÇÃO DJe 24/09/2020, ATA Nº 160/2020, DJe nº 235, divulgado em 23/09/2020)
Nessa toada, a Portaria MPS n. 154/2008 garante a contagem recíproca de atividades especiais entre regimes de previdência distintos, conforme a seguinte disposição (g.n.):
"Art. 5º O setor competente da União, do Estado, do Distrito Federal e do Município deverá promover o levantamento do tempo de contribuição para o RPPS à vista dos assentamentos funcionais do servidor.
Parágrafo único. Até que leis complementares federais disciplinem as aposentadorias especiais previstas no § 4º do art. 40 da Constituição Federal, a informação na CTC sobre o tempo de contribuição reconhecido como tempo especial está restrita às hipóteses de: (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018).
I - servidor com deficiência, com amparo em decisão judicial; (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)
II - exercício de atividades de risco, conforme Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, ou com amparo em decisão judicial; e (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)
III - exercício de atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos limites da Súmula Vinculante nº 33 ou com amparo em decisão judicial. (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)."
Portanto, as atividades especiais exercidas no RGPS ou no RPPS deverão estar expressamente dispostas na Certidão de Tempo de Contribuição (CTC).
Quanto à conversão da atividade especial em comum, o artigo 96, IX, da Lei n. 8.213/1991 dispõe:
“Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;
II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;
III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento.
V - é vedada a emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) com o registro exclusivo de tempo de serviço, sem a comprovação de contribuição efetiva, exceto para o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e, a partir de 1º de abril de 2003, para o contribuinte individual que presta serviço a empresa obrigada a arrecadar a contribuição a seu cargo, observado o disposto no § 5º do art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003;
VI - a CTC somente poderá ser emitida por regime próprio de previdência social para ex-servidor;
VII - é vedada a contagem recíproca de tempo de contribuição do RGPS por regime próprio de previdência social sem a emissão da CTC correspondente, ainda que o tempo de contribuição referente ao RGPS tenha sido prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor;
VIII - é vedada a desaverbação de tempo em regime próprio de previdência social quando o tempo averbado tiver gerado a concessão de vantagens remuneratórias ao servidor público em atividade;
IX - para fins de elegibilidade às aposentadorias especiais referidas no § 4º do art. 40 e no § 1º do art. 201 da Constituição Federal, os períodos reconhecidos pelo regime previdenciário de origem como de tempo especial, sem conversão em tempo comum, deverão estar incluídos nos períodos de contribuição compreendidos na CTC e discriminados de data a data.”
O artigo 125, § 1º, do Decreto n. 3.048/1999 e o artigo 11 da Portaria MPS n. 154/2008 dispõem da mesma forma (g.n.):
"Art. 125. Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social ou proteção social se compensarão financeiramente, fica assegurado: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
I - o cômputo do tempo de contribuição na administração pública e de serviço militar exercido nas atividades de que tratam os art. 42, art. 142 e art. 143 da Constituição, para fins de concessão de benefícios previstos no RGPS, inclusive de aposentadoria em decorrência de tratado, convenção ou acordo internacional; e (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
(...)
§ 1º Para os fins deste artigo, é vedada: (Redação dada pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
I - conversão do tempo de contribuição exercido em atividade sujeita à condições especiais, nos termos do disposto no art. 66;"
"Art. 11. É vedada a emissão de CTC: (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
I - com contagem de tempo de contribuição de atividade privada com a de serviço público ou de mais de uma atividade no serviço público, quando concomitantes; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
II - em relação a período que já tiver sido utilizado para a concessão de aposentadoria em qualquer regime de previdência social; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
III - com contagem de tempo fictício; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017); e
IV - com conversão de tempo de serviço exercido sob condições especiais em tempo de contribuição comum; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)."
Como se nota, na CTC devem estar indicados os períodos de atividade especial, mas é vedado constar a conversão do tempo de serviço especial em comum.
Compete, assim, ao órgão de destino da CTC a análise de possível conversão de tempo.
É o que deliberou a Turma Nacional de Uniformização (TNU) ao apreciar o Tema n. 278:
"I – O(A) segurado(a) que trabalhava sob condições especiais e passou, sob qualquer condição, para regime previdenciário diverso, tem direito à expedição de certidão desse tempo identificado como especial, discriminado de data a data, ficando a conversão em comum e a contagem recíproca à critério do regime de destino, nos termos do art. 96, IX, da Lei n.º 8.213/1991;
II – Na contagem recíproca entre o Regime Geral da Previdência Social – RGPS e o Regime Próprio da União, é possível a conversão de tempo especial em comum, cumprido até o advento da EC n.º 103/2019".
Em resumo, a CTC deve ser expedida pelo regime de previdência de origem com indicação do tempo especial, sem a conversão do período. A forma de utilização desse tempo especial, como a possível conversão desse tempo em comum, contudo, compete ao regime instituidor da aposentadoria.
No tocante aos intervalos em debate, ao que indica a conclusão administrativa, sendo que não houve demonstração em sentido contrário pela parte autora, há que ser considerada a vinculação a regime próprio previdenciário e, dessa maneira, não compete à autarquia previdenciária o exame da especialidade aventada, senão ao próprio ente federativo no qual desenvolveu as atribuições vinculadas ao regime próprio de previdência social (RPPS) atestar a insalubridade.
Ademais, nas hipóteses de controvérsia da especialidade de serviço prestado sob regime próprio, deve o requerente aforar a contenda na Justiça Estadual bandeirante em face órgão ao qual estava vinculado, a fim de fazer valer o direito invocado (TRF/3ª Região; APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002678-03.2004.4.03.9999/SP; 2004.03.99.002678-7/SP; RELATORA: Des. Federal EVA REGINA; D.E. Publicado em 14/2/2011).
Com efeito, somente ao órgão de origem do servidor compete o reconhecimento da nocividade da atividade exercida em período a ele vinculado, forte inclusive no Tema 942 do STF, bem como o respectivo ressarcimento ao sistema destinatário em razão de possível contagem diferenciada decorrente desse enquadramento.
Assim, desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade reclamada, uma vez que o trabalho supostamente exercido sob condições especiais não ocorreu sob as normas do Regime Geral da Previdência Social, mas sob as do Regime Próprio de Previdência.
Desse modo, impõe-se a extinção do processo, sem resolução de mérito, no tocante ao pedido de reconhecimento do caráter especial da atividade vinculada ao RPPS, exercida no período de 12/3/2007 a 31/1/2016, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC, restando prejudicada a apelação do autor.
Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução de mérito, no tocante ao pedido de reconhecimento do caráter especial das atividades vinculadas ao RPPS, no período de 12/3/2007 a 31/1/2016, ficando prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL NO RPPS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
- A Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) deve ser expedida pelo regime de previdência de origem com indicação do tempo especial.
- A forma de utilização desse tempo especial, como a possível conversão desse tempo em comum, contudo, compete ao regime instituidor da aposentadoria.
- Desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade durante trabalho sob normas de Regime Próprio de Previdência. Precedente.
- Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Processo extinto, de ofício, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI e § 3º, do CPC, com relação ao pedido de enquadramento de trabalho prestado em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).
- Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL