
| PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 9ª Turma Avenida Paulista, 1842, Bela Vista, São Paulo - SP - CEP: 01310-200 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtual APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002871-10.2021.4.03.6127 APELANTE: ANTONIO FRANCISCO PASCUINI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ADVOGADO do(a) APELANTE: MARIA CECILIA DE SOUZA - SP150409-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO FRANCISCO PASCUINI ADVOGADO do(a) APELADO: MARIA CECILIA DE SOUZA - SP150409-A RELATÓRIOTrata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para determinar a concessão da aposentadoria nos termos do artigo 17 da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 (regra de transição com pedágio de 50%), desde a data da reafirmação da DER (24/9/2021), fixados os consectários legais. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual exora a procedência integral dos pedidos arrolados na inicial, com o enquadramento dos períodos de 1º/4/1987 a 31/7/2006 e de 13/9/2011 a 19/10/2016 e a obtenção do benefício em foco. O INSS, por sua vez, apresentou recurso, no qual sustenta a impossibilidade de reafirmação da DER para data anterior ao ajuizamento da demanda. Argui, ainda, a incidência dos juros de mora após 45 (quarenta e cinco) dias da determinação do cumprimento da obrigação de fazer e que seja afastada a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. Ao final, o INSS, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório. VOTOOs recursos preenchem os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos. Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pelas partes em recurso. Do Tempo de Serviço Especial A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I. A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim: a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica. b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor. c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997). d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente. Da Fonte de Custeio A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991). Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF). Do Agente Nocivo Ruído Os limites legais de tolerância ao ruído são: (i) até 5/3/1997: acima de 80 dB; (ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB; (iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB. Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade. Do Equipamento de Proteção Individual - EPI Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria: I - A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada. II - Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar: (i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida; (ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento; (v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI. III - Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado. Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo. À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade). As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são: (i) Agentes Biológicos: Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso. (ii) Agentes Cancerígenos (até 2020): Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho - LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno. (iii) Periculosidade: O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento. (iv) Ruído acima dos limites legais: Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. Do Caso ConcretoAnalisados os autos, é possível reconhecer a especialidade do período de 1º/4/1987 a 31/7/2006, em razão da exposição habitual e permanente a tensão elétrica superior a 250 volts e a periculosidade decorrente da atividade exercida, conforme demonstrado no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (ID 332582587). Sobre a periculosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o REsp n. 1.306.113, sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão elétrica superior a 250 volts, pela possibilidade do enquadramento especial, mesmo para período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel. Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013). Cumpre observar, ainda, que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. (STJ, 6ª Turma, REsp 658016, Rel. Hamilton Carvalhido, DJU 21/11/2005). Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas (com a periculosidade), conclui-se que, na hipótese, o EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado, conforme acima apontado. Por outro lado, não é possível reconhecer a especialidade do interregno de 13/9/2011 a 19/10/2016. No caso concreto, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) juntado aos autos indica exposição a ruído em nível inferior aos limites de tolerância previstos em lei e apesar de fazer referência à presença de radiação não ionizante como fator de risco, não descreve parâmetros de intensidade ou frequência da exposição e também não revela a origem desse agente nocivo. Cumpre destacar que o mero exercício da função não autoriza, por presunção, o reconhecimento da nocividade em virtude da sujeição a radiações não ionizantes. Efetivamente, a caracterização da especialidade depende de prova técnica idônea, não sendo suficiente alegações genéricas ou hipóteses abstratas sobre os riscos da atividade. Dessa forma, não há como reconhecer a especialidade do interstício em debate, pois não se pode suprir, por presunção, a prova que a legislação de regência exige de forma inequívoca. A sujeição à "radiação não ionizante", que se trata de simples exposição solar, não conduz, por si só, ao reconhecimento da especialidade do labor nos termos da legislação previdenciária, sobretudo quando consideradas as atividades exercidas pelo requerente. Esse é o entendimento desta Corte Regional: TRF3 - 9ª Turma, ApCiv 5043232-93.2021.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, DJEN Data: 20/5/2021, TRF3 - 8ª Turma, ApCiv 5313449-17.2020.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal David Diniz Dantas, Intimação via sistema Data: 26/2/2021; TRF3 - 10ª Turma, AC n. 0035126-48.2012.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Baptista Pereira, Julgamento: 14/10/2014. Com efeito, a exposição à "radiação não ionizante" proveniente de fonte natural, representada pelos raios solares, por se tratar de elementos próprios da atividade, que atua sobre o trabalhador em níveis normais, não legitimam o reconhecimento da especialidade do trabalho desenvolvido, porquanto não restou evidenciado, por meio da prova técnica carreada aos autos, que incidiam sobre o segurado de modo excepcional ou excessivo. Nesse contexto, não há nos autos qualquer elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos. Assim, incabível se afigura o reconhecimento da excepcionalidade do ofício desempenhado nesse lapso, à míngua de comprovação do exercício da atividade em condições degradantes. Em síntese, apenas o intervalo de 1º/4/1987 a 31/7/2006 deve ser enquadrado como especial. Da Aposentadoria Por Tempo de Serviço/Contribuição e Programada A concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013). No caso dos autos, verifica-se que a parte autora possui mais de 35 (trinta e cinco) anos de profissão até a data de 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - artigo 3º da EC n. 103/2019), tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral (CF/1988, artigo 201, § 1º, inciso I, com redação dada pela EC n. 20/1998). Nesse contexto, o cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, artigo 29-C, inciso I, incluído pela Lei n. 13.183/2015). Ademais, na data do requerimento administrativo (DER 18/2/2021), o autor também faz jus à aposentadoria conforme o artigo 17 das regras de transição da EC n. 103/2019, conforme a seguinte apuração: Nesta última hipótese, o cálculo do benefício deve ser feito conforme o artigo 17, parágrafo único, da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991"). Assim, deverá ser facultada à parte autora, a opção pelo benefício mais vantajoso, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento, em sede de repercussão geral, do Recurso Extraordinário n. 630.501 (Tema n. 334). Demais QuestõesO termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (DER 18/2/2021), porquanto o elemento apresentado naquela ocasião já permitia o cômputo do período reconhecido nestes autos. Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado. Conforme já consignado na sentença, em virtude de o autor estar recebendo aposentadoria desde 1º/9/2022, também poderá optar por esse benefício caso considere-o mais vantajoso. No mais, tendo em vista que o benefício foi concedido desde a Data de Entrada do Requerimento (DER) originária, em 18/2/2021, sem sua reafirmação para data posterior, restam prejudicadas as alegações recursais apresentadas pelo INSS, as quais se referem unicamente aos desdobramentos decorrentes de possível reafirmação da DER. DispositivoDiante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação supra: (i) enquadrar como atividade especial o intervalo de 1º/4/1987 a 31/7/2006; (ii) determinar a concessão do benefício previdenciário, facultado ao autor, a opção pelo mais vantajoso, desde a data do requerimento administrativo (DER 18/2/2021). Em decorrência, julgo prejudicado o recurso do INSS. É o voto. DALDICE SANTANA Desembargadora Federal EMENTAEmenta: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ELETRICIDADE. PERICULOSIDADE. ENQUADRAMENTO PARCIAL. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. RECURSO DO INSS PREJUDICADO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
III. RAZÕES DE DECIDIR
IV. DISPOSITIVO E TESE
Tese de julgamento:
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 195, § 5º, e 201, § 1º; EC n. 103/2019, arts. 3º, 17 e 25, § 2º; Lei n. 8.213/1991, arts. 29-C e 57; CPC/2015, art. 496, § 3º, I. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664.335 (Tema 555); STF, RE 630.501/RS (Tema 334); STJ, REsp 1.306.113/SC; STJ, REsp 658.016; STJ, Tema 694; STJ, Tema 1.090. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, ficando prejudicada o recurso do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. DALDICE SANTANA Desembargadora Federal |