Recebo o recurso de apelação, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
Preliminarmente, não procede o pedido para realização de nova perícia com médico especializado.
Com efeito, é sabido que a prova tem como destinatário o magistrado, a quem cabe avaliar quanto à sua suficiência, necessidade e relevância, não constituindo cerceamento de defesa o indeferimento de prova considerada inútil ou protelatória.
A respeito, prescreve o artigo 370 do Código de Processo Civil que ao juiz é dado decidir acerca das provas que julga necessárias ao deslinde de mérito do processo, verbis:
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
No caso, observo que o laudo pericial (ID 336039100) é suficientemente fundamentado, tendo, inclusive, analisado os documentos médicos trazidos aos autos pela autora, de modo que não se faz necessária a realização de nova perícia.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. REQUISITOS LEGAIS AUSENTES. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. INCABÍVEL.
- O auxílio por incapacidade temporária, nova denominação do auxílio-doença, encontra-se previsto nos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991 e destina-se aos segurados da Previdência Social que estejam em situação de temporária incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, decorrente de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
- A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
- Decorre do laudo técnico que não foi constatada a incapacidade laboral da parte autora.
- De outro giro, cumpre salientar que cabe ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova produzida para desenvolver seu livre convencimento. A respeito, vejam-se os artigos 370 e 371 do CPC.
- Com efeito, caso tenha sido considerado que o laudo pericial elaborado por perita judicial - profissional qualificado equidistante das partes - contém elementos suficientes para a devida análise da alegada incapacidade da parte autora, desnecessária a realização de nova perícia com médico especialista para cada moléstia apresentada pela parte.
- Nesse contexto, não se identifica excepcionalidade a demandar realização de nova perícia com médico especialista, pois da análise do laudo pericial, observa-se que este foi conduzido de maneira satisfatória. Nota-se que a expert analisou as enfermidades alegadas por meio de exames realizados diretamente e pela aferição de documentação médica, sendo conclusivo acerca da ausência de incapacidade laborativa.
- Em atenção aos argumentos da parte autora, cumpre observar que não é a doença, por si só, que gera o direito à obtenção dos benefícios previdenciários, e sim a presença do pressuposto da incapacidade laborativa, provisória ou definitiva, ausente na espécie.
- Acrescente-se, por fim, que os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade são regidos pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, havendo agravamento da moléstia ou alteração do quadro de saúde da parte autora, pode ela postular administrativamente a concessão de novo benefício.
- Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004398-50.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 25/10/2023, DJEN DATA: 27/10/2023) grifei
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. BENEFICIO NÃO CONCEDIDO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA.
1. Rejeito a matéria preliminar arguida pela autora, uma vez que não há necessidade de realização de nova perícia. No presente caso, a peça técnica, na falta óbvia de conhecimento técnico em medicina por parte do juiz, assume grande importância na discussão de viabilidade do pedido. Oportuno observar que o laudo pericial constante dos autos traz elementos suficientes ao deslinde da demanda, função precípua da prova pericial. Cabe ressaltar ainda que a perícia foi realizada por profissional de confiança do Juízo, dotado de conhecimentos técnicos para realizar perícia médica, verificando as patologias alegadas na inicial.
2. A concessão de aposentadoria por invalidez reclama que o requerente seja segurado da Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e arts. 18, I, "a"; 25, I e 42 da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91).
3. Cabe lembrar que o indivíduo pode padecer de determinada patologia e, ainda assim, deter capacidade para a execução de atividades laborativas, ainda que para funções não equivalentes às suas habituais.
4. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora improvida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004073-88.2021.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 07/09/2022, DJEN DATA: 13/09/2022) grifei
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO DOENÇA. PERÍCIA MÉDICA. SUBSTITUIÇÃO ESPECIALISTA NA ÁREA CORRESPONDENTE À ENFERMIDADE. DESNECESSIDADE.
1. Compete ao juiz indicar pessoa de sua confiança, cuja habilitação seja compatível com a prova a ser produzida.
2. No caso em exame, a enfermidade sofrida pelo agravante, por si só, não justifica a indicação de médico perito com habilitação especializada. Também não restou demonstrada a ausência de capacidade técnica do profissional nomeado pelo Juízo, tendo em vista não ser obrigatória sua especialização médica, segundo a jurisprudência desta E. Corte.
3. Agravo de instrumento desprovido.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5026648-09.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NILSON MARTINS LOPES JUNIOR, julgado em 12/04/2022, Intimação via sistema DATA: 20/04/2022) grifei
Passo ao exame do mérito.
A questão controversa refere-se à análise dos requisitos para a concessão do benefício assistencial a pessoa deficiente.
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a "brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais", conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, "para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação" - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019).
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93", (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF: "É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição".
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I - o grau da deficiência;
II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Da data do início do benefício (DIB)
A respeito da data de início do benefício (DIB), é cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a implantação do benefício tem como termo inicial, em regra, a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ.
1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que entendeu devida a concessão do benefício assistencial ao deficiente, considerando como termo inicial o requerimento administrativo.
2. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial.
3. A propósito: "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.611.325/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/03/2017; AgInt no REsp 1.601.268/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/6/2016; AgInt no REsp 1.790.912/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/10/2019. REsp 1.731.956/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/5/2018.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1851145/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 13/05/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
I - O presente feito decorre de ação de concessão de benefício de prestação continuada objetivando a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Na sentença, julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a sentença foi reformada.
II - Esta Corte consolidou o entendimento de que havendo requerimento administrativo, como no caso, este é o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício assistencial. Nesse sentido: REsp n. 1610554/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/4/2017, DJe 2/5/2017; REsp n. 1615494/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2016, DJe 6/10/2016 e Pet n. 9.582/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 16/9/2015.
III - Correta, portanto, a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal.
IV - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1662313/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019)
Do Caso Concreto
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.
O laudo médico judicial (336039100) analisou a condição clínica da paciente, bem como exames e relatórios médicos, confirmando as seguintes patologias: hipertensão arterial, diabetes e artrose em joelhos. Porém, concluiu o Sr. perito que a autora não apresenta impedimento de longo prazo de modo a ser enquadrada como deficiente. Confira-se:
7. CONCLUSÃO
Pelo visto e anteriormente descrito, a perícia pode constatar
que:
a) a autora é portadora de diabetes sem complicações, hipertensão arterial sem complicações, artrose de joelhos.
b) a autora não apresenta impedimentos para o autocuidado, de capacidade de deslocamento e de trato financeiro, de comunicação e deslocamento, da realização de atividades mentais complexas, para as funções sensoriais e função sexual. Não apresenta impedimentos para o trabalho como condição genérica.
c) a autora não é pessoa a quem se possa atribuir o conceito de deficiente à luz da CIF.
e) o caso não é enquadrável nas exigências formais da Lei Federal 13.146/2015.
É certo que o juiz não está vinculado ao laudo pericial, conforme o artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto de provas para formar sua convicção.
Ainda, é de se destacar que para fins assistenciais, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, pessoa com deficiência é aquela que tem "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Não se trata de analisar a capacidade laborativa da parte, mas, sim, de avaliar o seu impedimento de longo prazo que o impede de participar plena e efetivamente na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Cumpre também esclarecer que a avaliação da pessoa com deficiência deve ser feita considerando mais do que as condições médico-biológicas do requerente.
Adicionando-se ao significado de pessoa com deficiência já previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009), a nova redação dada ao artigo 20, §2º da LOAS pela Lei 12.470/2011 passou a associar o conceito de incapacidade a "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", do que se infere que a análise dos requisitos ao benefício deve alcançar fatores sociais, ambientais e familiares cuja influência seja tão negativa no desempenho da pessoa a ponto de impedir sua inserção na sociedade em igualdade de condições com os demais:
Para os propósitos da presente Convenção:
(...)
"Adaptação razoável" significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; (...)
Trata-se aqui de análise específica em que se deve levar em consideração, também, a realidade do histórico de vida da parte autora, seu contexto social e familiar, estabelecendo-se, assim, como premissa, um conceito ampliado de impedimento de longo prazo, que traduza a situação capaz de comprometer a funcionalidade do indivíduo na tentativa de prover o próprio sustento, quando não há também a possibilidade de tê-lo provido pelos seus familiares.
No caso dos autos, embora o laudo médico judicial tenha concluído pela ausência de deficiência nos termos da Lei nº 13.146/2015, há nos autos documentação médica suficiente a evidenciar problemas crônicos de saúde da autora desde, pelo menos, 2017, incluindo hipertensão arterial, diabetes, artrose nos joelhos e histórico de alcoolismo, este último registrado em prontuário médico de 24/10/2017 (ID 336039087) e confirmado em estudo social (ID 336039114).
Conforme relato da Assistente Social, em 27/02/2023, "a família já é acompanhada por este setor há alguns anos e pela Equipe de Proteção Social Especial desde 03/2021. [...] Durante o acompanhamento familiar realizado, encontramos a idosa em tela, em diferentes situações. Há momentos que esteve acamada, decorrente às sequelas do alcoolismo, como também em outras vezes, acrescentou boas condições de saúde, com capacidade para realizar suas tarefas diárias com autonomia."
Ressalte-se, ainda, as condições pessoais da autora: analfabeta, trabalhadora rural, com idade avançada (59 anos à época do requerimento administrativo em 27/12/2018), residente em município de pequeno porte, onde as oportunidades de trabalho são restritas e predominantemente braçais, incompatíveis com suas limitações físicas e de saúde.
Portanto, o conjunto probatório demonstra que as enfermidades verificadas, de caráter degenerativo e progressivo, bem como os problemas de alcoolismo acarretam limitações significativas e de longo prazo, dificultando a inserção da autora no mercado de trabalho e sua participação plena e efetiva na sociedade, caracterizando impedimento nos termos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93.
Em caso semelhante, já decidiu esta E. Corte:
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93. INCAPACIDADE COMPROVADA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. CONJUNTO PROBATÓRIO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
- Consoante a regra do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, a assistência social será prestada à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
- A disposição do § 3º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/93, com a redação da Lei nº 14.176/2021, estabelece que terão direito ao benefício assistencial, a pessoa com deficiência ou idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo.
- Quanto à pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, nos termos do disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015, é aquela que "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", restando desvinculado o conceito de deficiência, para fins de concessão do benefício, da mera incapacidade para o trabalho, estando atrelado ao modelo social de direitos humanos, de sorte que abandonando os critérios de análise restritivos, a pessoa postulante da benesse deve comprovar a existência de restrição capaz de obstaculizar a sua efetiva participação social de forma plena e justa na sociedade.
- A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que para a concessão do benefício assistencial, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão, estabelecendo que a lei deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência (REsp 1962868/SP, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, j. 21/03/2023, DJe 28/03/2023; REsp 1.770.876/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 19/12/2018; AgInt no AREsp 1.263.382/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 19/12/2018; REsp 1.404.019/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 03/08/2017).
- Considerando que o juiz não está adstrito apenas à prova pericial, podendo formar seu convencimento com amparo no conjunto probatório, e diante das condições pessoais do autor, conclui-se que ele não apresenta condições de se reintegrar ao mercado de trabalho no presente momento, principalmente considerando que realiza atividade braçal pesada como pedreiro, enquadrando-se no conceito de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 20, §§ 2º e 10, da Lei nº 8.742/1993, observando-se que o benefício em questão não possui caráter vitalício, portanto, não é necessário que os impedimentos sejam permanentes, uma vez que está expressamente prevista a possibilidade de revisão do benefício, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem (artigo 21 da Lei nº 8.742/1993).
[...]
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002902-49.2024.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL GABRIELA SHIZUE SOARES DE ARAUJO, julgado em 18/12/2024, Intimação via sistema DATA: 19/12/2024)
O estudo social (ID 336039114), por sua vez, também confirma a situação de vulnerabilidade socioeconômica da autora, atestando que ela reside apenas com o marido, ambos idosos, sem filhos ou familiares próximos que possam auxiliá-los.
A única fonte de renda do núcleo familiar é a aposentadoria do companheiro, no valor de um salário mínimo, que, além de ser insuficiente para atender às necessidades básicas de alimentação, saúde, vestuário e moradia, também não entra no cálculo da renda per capita, conforme § 14 do art. 20 da LOAS. Não há outros meios de subsistência, sendo que, em diversas ocasiões, o casal precisou receber doação de cestas de alimentos.
Logo, configurado também o requisito socioeconômico, é devida a concessão do benefício assistencial desde a DER.
Destarte, de rigor a reforma da r. sentença.
O termo inicial do benefício deve ser a data de entrada do requerimento administrativo (27/12/2018), porque nessa época já se evidenciavam os requisitos autorizadores.
Ressalte-se, ainda, que cabe ao INSS proceder à revisão bianual das condições que ensejaram a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, nos termos do artigo 21 da LOAS, devendo cessar o pagamento do amparo no momento em que constatada a superação de tais condições, ou em caso de morte do beneficiário.
As prestações vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Os valores pagos na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de benefícios inacumuláveis no período, deverão ser integralmente abatidos do débito.
Consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que se reporta à aplicação da EC 113/2021, e atentando-se ao disposto na alteração trazida pelo art. 3º da EC n. 136/2025.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Custas e despesas processuais
A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003.
A isenção, porém, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovadas nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/1996.
Contudo, a parte vencida deverá arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC.
Dos honorários advocatícios
Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC.
A verba honorária, conforme a Súmula 111 do STJ e o Tema 1105/STJ, incide sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão da requerente apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação incidirá sobre as parcelas vencidas até a data do presente acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada e, no mérito, dou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.