
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5129860-46.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MATEUS HENRIQUE DA SILVA RIBEIRO
Advogados do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A, FABIANO ANTUNES GARCIA - MS15312-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5129860-46.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MATEUS HENRIQUE DA SILVA RIBEIRO
Advogados do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A, FABIANO ANTUNES GARCIA - MS15312-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação cível interposta por Matheus Henrique da Silva Ribeiro contra sentença da 2ª Vara Cível de Nova Andradina/MS que julgou improcedente o pedido de concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), em razão da não comprovação do requisito de impedimento de longo prazo.
O autor alegou ser portador de transtorno mental e comportamental decorrente do uso de substâncias psicoativas, encontrando-se incapaz de prover o próprio sustento. Sustentou que a perícia judicial atestou incapacidade atual e necessidade de reavaliação em 2 anos, o que caracterizaria impedimento de longo prazo nos termos da legislação. Requer a reforma da sentença e a concessão do benefício desde o requerimento administrativo.
O INSS apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5129860-46.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MATEUS HENRIQUE DA SILVA RIBEIRO
Advogados do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A, FABIANO ANTUNES GARCIA - MS15312-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
V O T O
A questão controversa refere-se à análise dos requisitos para a concessão do benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data do requerimento administrativo em 05/04/2023.
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, “para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação” - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019).
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”, (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Da data do início do benefício (DIB)
A respeito da data de início do benefício (DIB), é cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a implantação do benefício tem como termo inicial, em regra, a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ.
1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que entendeu devida a concessão do benefício assistencial ao deficiente, considerando como termo inicial o requerimento administrativo.
2. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial.
3. A propósito: "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.611.325/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/03/2017; AgInt no REsp 1.601.268/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/6/2016; AgInt no REsp 1.790.912/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/10/2019. REsp 1.731.956/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/5/2018.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1851145/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 13/05/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
I - O presente feito decorre de ação de concessão de benefício de prestação continuada objetivando a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Na sentença, julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a sentença foi reformada.
II - Esta Corte consolidou o entendimento de que havendo requerimento administrativo, como no caso, este é o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício assistencial. Nesse sentido: REsp n. 1610554/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/4/2017, DJe 2/5/2017; REsp n. 1615494/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2016, DJe 6/10/2016 e Pet n. 9.582/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 16/9/2015.
III - Correta, portanto, a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal.
IV - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1662313/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019)
Do Caso Concreto
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente desde a DER, fixada em 05/04/2023.
Consta do laudo médico pericial (ID 333858496 - p. 20), realizado em 21/11/2023, que o autor encontrava-se internado em clínica de reabilitação para dependentes químicos, confirmando o Sr. perito o diagnóstico de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (CID F19). Assim, concluiu pela incapacidade total e temporária do autor, devendo ser reavaliado em 2 anos.
É certo que para obter o direito ao benefício assistencial é preciso apresentar uma deficiência/impedimento de qualquer natureza, que impeça a participação plena na sociedade. Além disso, a pessoa deve estar em contexto de vulnerabilidade social. Isto é, sem condições de prover a própria subsistência, nem de tê-la provida pela sua família.
Deve-se destacar que para fins assistenciais, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, pessoa com deficiência é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Sintetizando o novo conceito legal, é considerada deficiente a pessoa que tenha um impedimento de longo prazo (no mínimo 2 anos), que lhe cause incapacidades biológicas (físicas, intelectuais ou sensoriais) e limitações ao seu desempenho social (barreiras derivadas dos próprios limites biológicos, seja pelas dificuldades inerentes a eles, seja pela inexistência de adaptação física à deficiência, que dificultem a interação social) para sua vida independente e laborativa.
Ainda, a avaliação da pessoa com deficiência deve ser feita considerando mais do que as condições médico-biológicas do requerente.
Adicionando-se ao significado de pessoa com deficiência já previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009), a nova redação dada ao artigo 20, §2º da LOAS pela Lei 12.470/2011 passou a associar o conceito de incapacidade a "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", do que se infere que a análise dos requisitos ao benefício deve alcançar fatores sociais, ambientais e familiares cuja influência seja tão negativa no desempenho da pessoa a ponto de impedir sua inserção na sociedade em igualdade de condições com os demais:
Para os propósitos da presente Convenção:
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
Trata-se aqui de análise específica em que se deve levar em consideração, também, a realidade do histórico de vida da parte autora, seu contexto social e familiar, estabelecendo-se, assim, como premissa, um conceito ampliado de impedimento de longo prazo, que traduza a situação capaz de comprometer a funcionalidade do indivíduo na tentativa de prover o próprio sustento, quando não há também a possibilidade de tê-lo provido pelos seus familiares.
É certo que não se pode confundir a deficiência com a incapacidade, no entanto, a partir do momento em que a incapacidade impede a inserção da pessoa na sociedade, é possível reconhecer a deficiência para fins assistenciais.
Saliente-se, por oportuno: “que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ” (STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01 de julho de 2002) bem como, AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19 de abril de 2006.
Nesse mesmo sentido: “a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.” (TRF4, AC 5001783-60.2024.4.04.7110, 5ª Turma , Relator para Acórdão OSNI CARDOSO FILHO , julgado em 25/02/2025)
No caso concreto, o histórico clínico e social do autor, amplamente documentado nos autos, reforça o caráter persistente e não episódico da limitação.
Com efeito, há registros de múltiplas internações psiquiátricas, inclusive compulsória, tratamento contínuo no CAPS de Nova Andradina/MS, uso regular de medicação controlada, episódios recorrentes de agressividade, ameaças e destruição de objetos (IDs 333858356 e 333858357), além de dificuldades de adesão ao tratamento e risco para si e para terceiros.
Consta declaração do CAPS de Nova Andradina/MS informando acerca da internação compulsória do autor entre 28/11/2020 a 13/05/2021. Acresce-se que o requerente encontrava-se internado quando da realização do exame médico pericial.
Tais circunstâncias evidenciam que a condição de saúde do autor não se limita a crises isoladas, mas representa quadro crônico que compromete de forma significativa e duradoura sua capacidade de inserção social e laboral, atendendo, portanto, ao conceito de deficiência previsto no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, em conjugação com o Decreto nº 6.214/2007.
Os temas 48 e 173 da TNU estabelecem que para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada (BPC/LOAS) o conceito de deficiência não se limita à incapacidade de trabalho, mas sim a um impedimento de longo prazo, sendo no mínimo de 2 anos, que obstrui a plena e efetiva participação do indivíduo na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Cumpre destacar, ainda, que é irrelevante a constatação de eventual possibilidade de evolução favorável, pois o critério normativo é objetivo e visa proteger a pessoa durante todo o período em que a limitação persiste.
A jurisprudência deste Tribunal Federal tem decidido neste sentido.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC/LOAS). PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LAUDO MÉDICO COMPROVA A DEFICIÊNCIA, O IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E A INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. MISERABILIDADE CONSTATADA . PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. Trata-se de recurso interposto pela parte ré em face da sentença que julgou procedente o pedido concedendo o benefício assistencial ao deficiente . 2. A concessão do amparo social à pessoa com deficiência e ao idoso exige apenas a comprovação de que a parte requerente é deficiente e/ou idosa e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 3. A perícia médica judicial atestou a deficiência e da incapacidade total e temporária, além do impedimento de longo prazo de natureza física que obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas . Incapacidade superior a 02 anos, visto que fixada em 2022 com data prevista para término em 2025. 4. A parte autora constitui grupo familiar unipessoal, sem renda aferida, o que faz presumir a miserabilidade. 5 . Recurso da parte ré que se nega provimento. Manutenção da sentença.
(TRF-3 - RecInoCiv: 50039700220234036335, Relator.: JUÍZA FEDERAL FERNANDA SOUZA HUTZLER, Data de Julgamento: 09/12/2024, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 13/12/2024) grifei
Dessa forma, verifica-se que a parte autora é deficiente para fins assistenciais, uma vez que que cumpriu o requisito à longo prazo, enquadrando a parte autora, portanto, no conceito legal de pessoa com deficiência previsto no § 2º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Reconhecido o impedimento a longo prazo, e consequentemente a sua deficiência, cabe analisar a questão relativa à vulnerabilidade do núcleo familiar.
A análise do laudo social (ID 333858511), realizado em 06/03/2025, comprova que o autor encontra-se inserido em contexto de acentuada vulnerabilidade social e econômica.
A composição familiar é formada por cinco pessoas — o autor, sua mãe, o padrasto e duas irmãs menores — residindo em imóvel simples, oriundo de programa habitacional, com mobiliário e eletrodomésticos básicos e desgastados, sem veículo próprio.
A renda, por sua vez, é proveniente exclusivamente do auxílio-doença percebido pelo padrasto (R$ 1.654,00), já que o BPC recebido por uma das irmãs não deve ser computado no cálculo da renda per capita, conforme dispõe o § 14 ao artigo 20 da LOAS. Dividido entre os cinco integrantes, o rendimento auferido resulta em uma renda per capita de R$330,80, ou seja, inferior a ½ salário mínimo, atendendo ao critério legal e jurisprudencial para caracterização da hipossuficiência.
As despesas mensais — água (R$ 250,00), energia elétrica (R$ 400,00), gás (R$ 130,00), internet (R$ 115,00), medicamentos (R$ 175,00) e alimentação/higiene (cerca de R$ 1.200,00) — superam a renda disponível, gerando déficit orçamentário e dificultando a manutenção das necessidades básicas.
Acrescente-se que a situação do autor, que enfrenta transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de múltiplas drogas, com histórico de internação compulsória, tratamento contínuo no CAPS e episódios de agressividade, além dos registros de ocorrências policiais, evidencia a necessidade de acompanhamento constante, o que reforça sua dependência econômica e social do núcleo familiar.
Portanto, esse conjunto de fatores demonstra que a família vive em condição de pobreza estrutural, com renda insuficiente, problemas sociais graves e sem rede de apoio capaz de suprir as necessidades básicas do autor. A vulnerabilidade social, portanto, está caracterizada não apenas pelo critério objetivo de renda, mas também pelo contexto de fragilidade sócio-familiar.
Ressalte-se que cabe ao INSS proceder à revisão bianual das condições que ensejaram a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, nos termos do artigo 21 da LOAS, devendo cessar o pagamento do amparo no momento em que constatada a superação de tais condições, ou em caso de morte do beneficiário.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, em 05/04/2023, porque nessa data já se apresentavam elementos suficientes à demonstração do direito pleiteado.
As prestações vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Os valores pagos na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de benefícios inacumuláveis no período, deverão ser integralmente abatidos do débito.
Custas e despesas processuais
A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003.
A isenção, porém, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovadas nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/1996.
Quanto às demandas aforadas no Estado de Mato Grosso do Sul, a isenção prevista nas Leis Estaduais sul-mato-grossenses 1.135/1991 e 1.936/1998 foi revogada pela Lei Estadual 3.779/2009 (art. 24, §§ 1º e 2º), razão pela qual o INSS tem o ônus do pagamento das custas processuais naquele Estado.
Contudo, a parte vencida deverá arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC.
Consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que se reporta à aplicação da EC 113/2021.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Dos honorários advocatícios
Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC.
A verba honorária, conforme a Súmula 111 do STJ e o Tema 1.105/STJ, incide sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão da requerente apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação incidirá sobre as parcelas vencidas até a data do presente acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC/LOAS). PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL NA DER. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), sob fundamento de ausência de comprovação do requisito de impedimento de longo prazo. Autor alega ser portador de transtorno mental e comportamental decorrente do uso de substâncias psicoativas, com incapacidade para prover o próprio sustento. Perícia judicial atestou incapacidade total e temporária, com necessidade de reavaliação em dois anos. Pedido de concessão do benefício desde o requerimento administrativo em 05/04/2023.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em verificar o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do BPC/LOAS à pessoa com deficiência, notadamente a caracterização de impedimento de longo prazo e a comprovação da hipossuficiência econômica, bem como a fixação do termo inicial do benefício.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/1993, define pessoa com deficiência como aquela com impedimento de longo prazo, mínimo de dois anos, que, em interação com barreiras, obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Súmula 48/TNU e jurisprudência correlata confirmam que o conceito não se limita à incapacidade laborativa.
4. Laudo médico pericial e histórico clínico-social demonstram quadro crônico de transtornos mentais e comportamentais, com múltiplas internações, tratamento contínuo e comprometimento duradouro da inserção social e laboral, caracterizando impedimento de longo prazo para fins assistenciais.
5. Laudo social comprova vulnerabilidade socioeconômica: grupo familiar de cinco pessoas, renda per capita de R$330,80, inferior a ½ salário mínimo, despesas superiores à renda e exclusão legal de benefício de um salário mínimo percebido por membro da família (§ 14 do art. 20 da LOAS).
6. Preenchidos os requisitos de deficiência e hipossuficiência, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (05/04/2023), conforme entendimento pacífico do STJ.
7. Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
8. Quanto às demandas aforadas no Estado de Mato Grosso do Sul, a isenção prevista nas Leis Estaduais sul-mato-grossenses 1.135/91 e 1.936/98 foi revogada pela Lei Estadual 3.779/09 (artigo 24, §§ 1º e 2º), razão pela qual cabe ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais naquele Estado.
9. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso provido.
Tese de julgamento:
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O conceito de pessoa com deficiência para fins de BPC/LOAS abrange impedimento de longo prazo, mínimo de dois anos, que obstrua a participação plena e efetiva na sociedade, não se restringindo à incapacidade laborativa.
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A hipossuficiência econômica pode ser demonstrada por critério objetivo de renda per capita inferior a ½ salário mínimo e por outros elementos probatórios de vulnerabilidade social.
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O termo inicial do benefício assistencial, quando presentes os requisitos na data do requerimento administrativo, deve ser fixado nessa data.
Legislação relevante citada: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/1993 (LOAS), arts. 20, §§ 1º, 2º, 3º, 10, 11, 11-A e 14, e 21; Decreto nº 6.214/2007; Lei nº 13.146/2015; Lei nº 14.176/2021.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE 567.985 (Tema 27); STJ, REsp 1.112.557/MG (Tema 185); STJ, REsp 1.355.052 (Tema 640); TNU, Súmula 48; TRF-3, AC 0010184-23.2011.4.03.6139; TRF-3, RecInoCiv 5003970-02.2023.4.03.6335.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal