
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001709-60.2019.4.03.6123
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: SERGIO LUIS MATOS MONTEIRO
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA MUCCIACITO - SP372790-A, EGNALDO LAZARO DE MORAES - SP151205-A, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES FILHO - SP268688-A, ROSANA RUBIN DE TOLEDO - SP152365-A, SIDIEL APARECIDO LEITE JUNIOR - SP221889-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001709-60.2019.4.03.6123
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: SERGIO LUIS MATOS MONTEIRO
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA MUCCIACITO - SP372790-A, EGNALDO LAZARO DE MORAES - SP151205-A, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES FILHO - SP268688-A, ROSANA RUBIN DE TOLEDO - SP152365-A, SIDIEL APARECIDO LEITE JUNIOR - SP221889-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (RELATORA):
Vistos.
Trata-se de ação de conhecimento ajuizada em junho de 2019, perante a 1ª Vara Federal de Bragança Paulista/SP, na qual a parte autora pleiteia o restabelecimento de benefício por incapacidade permanente desde a cessação em 02/04/2018, ou concessão de auxílio por incapacidade temporária, com pagamento de parcelas vencidas e pedido de tutela provisória de urgência.
A parte autora alegou estar incapacitada para o exercício de atividades laborais desde 2005, em razão de patologias ortopédicas na coluna lombar, lombo-ciatalgia e câncer de próstata, com histórico de concessão administrativa de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Sustentou ter sido reavaliado pelo INSS em abril de 2018, ocasião em que teve cessado o benefício por invalidez, embora persistisse a incapacidade.
O INSS foi citado e apresentou contestação. Foram produzidas provas documentais e realizada prova pericial judicial. O laudo técnico concluiu pela existência de incapacidade parcial e temporária, com início provável em 21/08/2019 e aptidão do autor para reabilitação profissional. As partes se manifestaram sobre o laudo.
No curso do processo sobreveio a notícia de que o autor se aposentou por tempo de contribuição com DER em 15/07/2020.
O juiz de origem julgou improcedente o pedido, com fundamento na inexistência de previsão legal para concessão da aposentadoria por invalidez nos casos de incapacidade parcial e temporária, nos termos do art. 59 da Lei 8.213/1991. A sentença condenou o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, com suspensão da exigibilidade em razão da concessão da justiça gratuita.
Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando que o conjunto probatório, especialmente a prova pericial, demonstra sua incapacidade laboral total, considerando seu quadro clínico, baixa escolaridade e restrições impostas pela perícia médica para o exercício de atividade laboral compatível com sua qualificação e histórico profissional. Requereu a reforma da sentença, com concessão de aposentadoria por invalidez desde a data da cessação, remunerando-se as diferenças do período de restabelecimento.
Não foram apresentadas contrarrazões pela autarquia.
Recebidos os autos nesta Corte em 04.06.2025.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001709-60.2019.4.03.6123
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: SERGIO LUIS MATOS MONTEIRO
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA MUCCIACITO - SP372790-A, EGNALDO LAZARO DE MORAES - SP151205-A, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES FILHO - SP268688-A, ROSANA RUBIN DE TOLEDO - SP152365-A, SIDIEL APARECIDO LEITE JUNIOR - SP221889-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (RELATORA):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisar o mérito.
Dos benefícios por incapacidade
Os benefícios por incapacidade encontram amparo no art. 201 da Constituição Federal. A Lei nº 8.213/91, em seus arts. 42 e 59 a 63, estabelece os requisitos para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente e do auxílio por incapacidade temporária, exigindo, além da qualidade de segurado e do cumprimento da carência, a existência de moléstia incapacitante para a atividade que assegure a subsistência.
A incapacidade total e permanente justifica a concessão da aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária, a do auxílio por incapacidade temporária; e, em determinadas hipóteses, a incapacidade parcial e temporária poderá ensejar o mesmo benefício quando inviabilizar o desempenho da atividade habitual por período superior a quinze dias.
A prova da incapacidade é realizada mediante perícia médica, seja no âmbito administrativo, seja por perito nomeado pelo juízo (art. 42, § 1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 464 e 479 do CPC), sendo certo que a avaliação deve considerar não apenas o diagnóstico clínico, mas também as condições pessoais do segurado, como idade, escolaridade, experiência profissional e possibilidade de reabilitação, conforme reiterada jurisprudência do STJ.
Da qualidade de segurado e da carência
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91.
Ademais, na hipótese da perda da qualidade de segurado, dispõe o art. 27-A, da Lei 8.213/91 que, para a obtenção do benefício, o trabalhador "deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei."
Saliente-se que há entendimento jurisprudencial no sentido de que não há que se falar em perda da qualidade de segurado se a ausência de recolhimento de contribuições decorreu da impossibilidade de trabalho da pessoa acometida de doença.
A esse respeito, confira-se julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO ANTES DA OCORRÊNCIA DA MOLÉSTIA INCAPACITANTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO. I- A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, após cumprida a carência e conservando a qualidade de segurado, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação em atividade que lhe garanta subsistência. II- A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o segurado que deixa de contribuir para a Previdência Social, por estar incapacitado para o labor, não perde a qualidade de segurado. (...) V- Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp 1245217/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 20/06/2012)
O fato de ter se aposentado por tempo de contribuição em 15/07/2020 não afasta o direito à percepção de benefício por incapacidade no período anterior, desde que demonstrados os requisitos legais.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 1965, ensino fundamental completo, trabalhou por mais de dez anos como motorista de caminhão. Alegou estar incapacitada desde 2005 em razão de patologias ortopédicas na coluna lombar, lombo-ciatalgia e câncer de próstata, com histórico de concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, esta cessada administrativamente em 02/04/2018, apesar de alegar persistência da incapacidade.
Realizada perícia médica judicial em 16/07/2021 (Num. 326785639 - Pág. 1 a 7), constatou-se que o autor é portador de lombalgia crônica decorrente de quadro degenerativo e inflamatório, com exame físico evidenciando positividade ao teste de “Lasegue” à direita e alterações em ressonância magnética compatíveis com comprometimento lombar. Concluiu pela existência de incapacidade parcial e temporária para a atividade habitual, com início provável em 21/08/2019, data em que foi realizada ressonância magnética. Foi recomendada a reavaliação em 12 meses e houve apontamento de restrições severas — não carregar pesos acima de 10 kg, evitar flexão acentuada de joelhos e quadris e alternar posições entre em pé e sentado.
Ainda que a data de início da incapacidade (21/08/2019) se situe ligeiramente após o término do período de graça — que, a partir da cessação do benefício anterior em 02/04/2018, estender-se-ia até 15/06/2019 —, o conjunto probatório evidencia continuidade da mesma doença e da incapacidade já reconhecida administrativamente.
Nesse contexto, é possível presumir que a incapacidade persistia desde a cessação do benefício anterior, afastando-se a alegação de perda da qualidade de segurado. Trata-se de situação em que o lapso temporal entre o término do benefício e a nova constatação médica é reduzido e não há indícios de recuperação plena nesse intervalo.
A jurisprudência é firme em admitir essa presunção quando o quadro clínico é o mesmo que deu causa ao benefício anterior, notadamente em doenças de caráter degenerativo ou crônico. Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. AUXÍLIOS-DOENÇA INDEVIDAMENTE CESSADOS OU INTERROMPIDOS. DOENÇA DEGENERATIVA. PRESUNÇÃO DE CONTINUIDADE DO ESTADO INCAPACITANTE LABORAL. CONCESSÃO DO MESMO BENEFÍCIO EM RAZÃO DO MESMO FATO INCAPACITANTE LABORAL. PERÍCIAS JUDICIAIS QUE ATESTARAM A PERMANENTE INCAPACIDADE LABORAL EM RAZÃO DE DOENÇA DEGENERATIVA. EXCLUSÃO DO PERÍODO PARA O QUAL HAVIA DECISÃO JUDICIAL NEGANDO O AUXÍLIO-DOENÇA. COISA JULGADA. COMPENSAÇÃO RECÍPROCA ENTRE AS PARTES DA VERBA HONORÁRIA. SENTENÇA DISPONIBILIZADA ANTES DO ADVENTO DO CPC/2015: APLICAÇÃO DAS REGRAS PROCESSUAIS PREVISTAS NO CPC/73.
- Comprovada, pericialmente, a irreversibilidade do estágio clínico em que já se encontrava o apelado desde 27/09/2007, o marco temporal da incapacidade laboral daí decorrente passa a ser jurídico e com base em elemento objetivo de conhecimento do próprio INSS, qual seja, a data que, com base no mesmo fato incapacitante, concedeu o auxílio-doença NB nº 31/5608209652.
- Quanto aos períodos de 01/07/2008 a 28/04/2009 e de 07/12/2010 a 14/12/2010, a condenação do INSS no pagamento dos valores a título de auxílio-doença permanece inalterada, porque sobre esses intervalos recai a presunção da continuidade do estado incapacitante, uma vez que, com base na mesma constatação incapacitante, foi, por mais de uma vez, concedido o mesmo benefício, além de haver dois laudos periciais que atestaram a permanência desta incapacidade em decorrência de uma doença degenerativa, em que pese ter o apelado se submetido à três complexas cirurgias na coluna, culminando no emprego de um parafuso medular.
- O INSS desamparou duplamente o apelado, ao não pagar o auxílio-doença enquanto ele não pudesse realizar outra atividade, para a qual deveria ser reabilitado (uma vez que não mais poderia exercer a atividade habitual, sob pena de agravar o seu quadro clínico), e ao não o reabilitar, quando ainda era isso possível. Constatada a indevida cessação dos auxílios-doença em 30/06/2008 e em 06/12/2010.
- Demonstrada está a continuidade da parcial e permanente incapacidade laboral do apelado para exercer a sua habitual atividade profissional, desde 27/09/2007, fazendo jus à percepção dos valores referente aos auxílios-doença também para os períodos de 01/07/2008 a 28/04/2009 e de 07/12/2010 a 14/12/2010 em continuação daqueles indevidamente cessados em 30/06/2008 e em 06/12/2010, ficando condenado o INSS a efetuar o pagamento destes valores atrasados, com a incidência da correção monetária desde o vencimento de cada uma das parcelas, conforme as diretrizes fixadas no Manual de Cálculos da Justiça Federal que vigente estiver na data do exercício da pretensão executória, acrescidos dos juros de mora a partir da citação.
- Vedado está o desconto dos valores pagos em razão da concessão administrativa verificada para o período de 22/03/2011 a 29/07/2011, ficando excluídas da condenação os valores pretendidos para o período de 15/12/2010 a 21/03/2011, em razão da coisa julgada ocorrida nos autos 0007562-25.2011.4.03.6315.
- Apelação e remessa oficial, tida por interposta, julgadas nos termos do CPC/73, por se tratar a sentença de ato disponibilizado antes do advento do atual CPC.
- Nos termos do art. 21 do CPC/73, entre as partes se encontra, reciprocamente, compensada a verba honorária.
- Providos, parcialmente, a remessa oficial e o apelo do INSS, nos termos da fundamentação. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0013441-43.2016.4.03.9999, Rel. Juiz Federal NILSON MARTINS LOPES JUNIOR, julgado em 19/08/2022, DJEN DATA: 24/08/2022)
Assim, reconhece-se a manutenção da qualidade de segurado e a persistência da incapacidade desde a cessação administrativa do benefício anterior, configurando-se hipótese de restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária.
Embora parcial, a incapacidade constatada atinge de forma significativa a função de motorista de caminhão, que exige esforço físico, movimentação constante de cargas e posturas incompatíveis com as restrições impostas. Ademais, o autor, com baixa escolaridade e histórico profissional exclusivamente braçal, não dispõe de condições reais de reinserção em outra atividade que lhe garanta a subsistência sem prévia reabilitação.
Ressalte-se que, embora a apelação tenha se limitado a pleitear aposentadoria por invalidez, o auxílio por incapacidade temporária foi expressamente requerido na inicial como pedido alternativo. À luz do art. 1.013, § 1º, do CPC, e considerando o caráter protetivo do direito previdenciário, é possível a concessão desse benefício quando demonstrado nos autos o preenchimento de seus requisitos, ainda que não reiterado nas razões recursais.
Diferentemente do entendimento adotado na sentença, a Lei nº 8.213/91 não exclui a concessão do auxílio por incapacidade temporária em casos de incapacidade parcial ou temporária quando esta inviabiliza o exercício da atividade habitual, bastando que seja demonstrada a impossibilidade de desempenho da função por período superior a quinze dias, o que ocorreu no caso.
Diante da constatação de que a incapacidade laboral persistiu sem solução de continuidade desde a cessação administrativa do benefício em 02/04/2018, é de se reconhecer que o autor fazia jus ao restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária a partir daquela data.
O termo final, contudo, deve ser mantido em 14/07/2020, véspera da data de início da aposentadoria por tempo de contribuição (15/07/2020), diante da vedação de cumulação prevista no art. 124, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
Dispositivo
Posto isto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do autor, para reformar a sentença e condenar o INSS a restabelecer o auxílio por incapacidade temporária desde 02/04/2018, data da cessação administrativa do benefício anterior, até 14/07/2020, véspera da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, reconhecida a manutenção da qualidade de segurado em razão da continuidade da incapacidade, com pagamento dos valores retroativos devidamente atualizados.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. PEDIDO ALTERNATIVO FORMULADO NA INICIAL. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA PARA A ATIVIDADE HABITUAL. CONTINUIDADE DA INCAPACIDADE DESDE A CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO. TERMO FINAL. VEDAÇÃO DE ACUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- É devido o auxílio por incapacidade temporária quando comprovada incapacidade laborativa, ainda que parcial, que impeça o exercício da atividade habitual por período superior a quinze dias, nos termos dos arts. 59 e seguintes da Lei nº 8.213/91.
- Possibilidade de concessão do benefício requerido de forma alternativa na petição inicial, ainda que não reiterado nas razões de apelação, à luz do art. 1.013, § 1º, do CPC e do caráter protetivo do direito previdenciário.
- Laudo pericial conclusivo quanto à incapacidade parcial e temporária do segurado, motorista de caminhão, com continuidade do quadro incapacitante desde a cessação administrativa do benefício anterior.
- Termo final do benefício fixado no dia anterior ao início do pagamento de aposentadoria por tempo de contribuição (14/07/2020), em razão da vedação de cumulação prevista no art. 124, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
- Apelação interposta pelo autor parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal