Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002422-08.2023.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARCUS ORIONE GONCALVES CORREIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
17/07/2024
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/07/2024
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DO ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO – AFERIÇÃO DA
POSSIBILIDADE DE O IDOSO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA PROVER A SUA
SUBSISTÊNCIA OU DE TÊ-LA PROVIDA PELA FAMÍLIA - MESMO APÓS A EDIÇÃO DA LOAS,
VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO - PRESENTES OS REQUISITOS - BENEFÍCIO
CONCEDIDO
1.Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o benefício de
um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência, que não
possam prover a sua subsistência ou tê-la provida por sua família.
2. Requisitos como a idade e deficiência defluem do disposto na Lei Orgânica da Assistência
Social e do laudo médico.
3. Já a prova da possibilidade de se prover a subsistência ou de tê-la provida pela família decorre
de condições fáticas que devem ser analisadas, caso a caso, a partir das provas constantes dos
autos, com especial atenção para o laudo social.
4. Comprovados todos os requisitos, o benefício deve ser concedido.
5. Apelação da parte autora provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002422-08.2023.4.03.9999
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: MOISES DO CARMO
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002422-08.2023.4.03.9999
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: MOISES DO CARMO
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Marcus Orione: Trata-se de apelação interposta em face
de sentença que julgou improcedente o pedido inicial que objetivava a concessão do benefício
assistencial à pessoa com deficiência.
Em suas razões recursais, a parte autora alega, que faz jus ao benefício visto que preencheu
todos os requisitos para a sua concessão desde a data do requerimento administrativo.
Sem as contrarrazões, subiram os autos à Superior Instância.
O i. representante do MPF exarou parecer, opinando pelo provimento do recurso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002422-08.2023.4.03.9999
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: MOISES DO CARMO
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Do mérito
No que se refere à concessão do benefício assistencial, observe-se o seguinte.
Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição Federal, o benefício de um salário-mínimo mensal
deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência.
O primeiro aspecto relevante da norma é o seu cotejo com a renda mensal vitalícia – o que era,
de início, indispensável para se compor, inclusive, o polo passivo, bem como, atualmente, se
revela importante para se compreender a origem do benefício assistencial previsto
constitucionalmente e se chegar a algumas conclusões necessárias.
Embora frequentemente tenhamos presenciado o equívoco de se equipará-las, há que se frisar
que uma coisa era a renda prevista no art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988;
outra, completamente diversa, era a renda mensal vitalícia prevista no art. 139, da Lei n.º 8.213,
de 24 de julho de 1.991 (e regulamentada pelo art. 281, do Decreto n.º 611, de 21 de julho de
1.992), revogado posteriormente pela Lei 9528 de 1997.
Não obstante ambas contivessem no seu bojo previsão sobre a concessão de um salário-
mínimo aos idosos e deficientes, não poderiam ser confundidas, pelos motivos que se seguem.
Primeiramente, a renda mensal vitalícia integrava "o elenco de benefícios da Previdência
Social" (art. 139, da Lei n.º 8.213, de 1.991), embora com o limite temporal estabelecido pelo
art. 248, do Decreto n.º 611, de 1.992. Já o benefício previsto no art. 203, inciso V, da
Constituição Federal integra "a assistência social" prestada pelo Estado, encontrando-se à
margem dos benefícios previdenciários.
Em segundo lugar, havia requisitos específicos para a concessão da renda mensal vitalícia -
tempo mínimo de filiação à Previdência Social de 12 meses consecutivos ou não; exercício de
atividade abrangida pela Previdência por no mínimo cinco anos; no caso do idoso, exigia-se que
tivesse ocorrido filiação posterior aos sessenta anos sem que se fizesse "jus" aos demais
benefícios previdenciários. Por outro lado, nenhum destes requisitos podem ser exigidos no
caso do disposto na Constituição Federal, sendo o valor devido ao idoso ou inválido atendidas
apenas as exigências - menos severas - do art. 20, da Lei n.º 8.742, de 1.993.
Frise-se, por fim, que o disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, trata da
assistência social prestada pelo Estado, independentemente de qualquer contribuição à
Seguridade Social. Há, pois, dois sistemas paralelos: um previdenciário, no qual se insere o
benefício da renda mensal vitalícia, e outro, assistencial, no qual se encontra o salário-mínimo
mensal constitucional.
A distinção foi feita para que se entenda a razão de que um benefício assistencial submeta-se,
ainda com mais razão, a uma lógica constitucional de razoabilidade – fundamental para que se
compreenda as razões seguintes.
No caso dos autos, constata-se que estamos diante do benefício assistencial, com a
correspectiva dispensa de contribuição e demais consectários acima apontados.
Por outro lado, urge frisar que a matéria foi regulada pela Lei n.º 8.742, de 1993.
Conforme a expressão disposição do art. 203, inciso V, da Constituição Federal que: "A
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos ('caput') : (...) a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
(inciso V)”.
Primeiramente, cumpre verificamos, quanto ao momento de sua eficácia e aplicabilidade, qual a
classificação da norma insculpida no texto constitucional acima.
Deve-se, inicialmente, constatar que as normas constitucionais, no que concerne à sua eficácia
e aplicabilidade, se subdividem nas seguintes espécies - segundo lição do Prof. José Afonso da
Silva:
a) normas constitucionais de eficácia plena;
b) normas constitucionais de eficácia contida;
c) normas constitucionais de eficácia limitada.
As primeiras são aquelas que possuem a eficácia e aplicabilidade independente de edição de
qualquer norma posterior. Possuem efeitos plenos desde o instante de sua edição.
As segundas são aquelas que, apesar de já produzirem efeitos desde o momento de seu
nascimento, podem vir a ser reduzidas no seu conteúdo por normas posteriores.
As últimas estão entre aquelas que possuem a sua eficácia e aplicabilidade diferida à edição de
norma posterior, que lhes implemente os efeitos.
Entendemos que, a despeito de já produzir o seu efeito desde o momento do nascimento, o
disposto no art. 203, inciso V, pode vir a ser reduzido no seu conteúdo por norma posterior.
Portanto, é caso de norma de eficácia contida.
Não obstante, há que ter bastante cuidado para não se admitir que a "lei regulamentadora" - no
caso trata-se da Lei n.º 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - limite demais os termos da
Constituição retirando-lhe a eficácia.
Como já mencionava Hugo de Brito Machado, "admitir possa o legislador ordinário modificar
conceitos da Constituição é admitir que a supremacia constitucional é apenas retórica, e que
supremo na verdade é o legislador".
Assim, basta, para efeitos de concessão de benefícios, a verificação do estado de pobreza
exigido pela Constituição Federal (verificável a partir da expressão: “... que comprovem não
possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família...”).
Na realidade, não apenas a renda “per capita”, mas também outros elementos constantes dos
autos, devidamente analisados, merecem ser destacados para a constatação do estado de
pobreza exigido constitucionalmente, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça (RESP 222764/SP, RESP 223603/SP, RESP 222777/SP).
Urge afastar também a incidência da decisão na ADIN n.º 1232-1/DF, publicada no D.J.U n.º
172-E, Seção 1, de 09/09/98, p. 2.
Tratando-se de improcedência em ADIN, esta sentença não tem eficácia erga omnes. Nesta
senda:
“... Se adotarmos a ação direta para a declaração de inconstitucionalidade, a lide se fixará em
tais limites e tudo o que se decidir terá força de lei e tal limitação (art. 468, do C.P.C.). Nas
declarações incidenter tantum, porém, o efeito secundário da sentença prevalece como tal
definido em lei. Como o efeito erga omnes se refere apenas à inconstitucionalidade, a decisão
que julga constitucional a norma guardará sua limitação subjetiva apenas inter parte”.
Assim, tendo sido julgado improcedente o pedido, não há como se falar na ocorrência do efeito
erga omnes.
Não estamos aqui discutindo a constitucionalidade ou não do art. 20 da 8.742, de 1993, como
fator de seu afastamento.
Urge apenas frisar que, além da renda familiar, outros elementos são importantes para se
entender que alguém não pode prover a sua subsistência ou tê-la provida por seus familiares. E
estes devem ser subtraídos da própria relação processual em curso, como se faz a seguir. Este
o critério de razoabilidade que acentuamos quando buscamos mostrar, no início, a distinção
entre benefícios de natureza assistencial, como é o caso dos autos, e de índole previdenciária.
Passando à análise dos requisitos necessários à concessão do benefício, restou comprovado
que se trata de pessoa com deficiência, nos termos do laudo médico (ID 273491980),
diagnosticando o autor com transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas
psicóticos, apesar de registrar que não poderia caracterizar a deficiência sem a correlação dos
dados da assistência social.
O laudo social (ID 273491980, p. 30/32), atestou que o autor mora com a irmã e o sobrinho de
12 anos, estudante. A irmã é funcionária pública e recebe R$ 1.554,31 de remuneração.
Relatou que a moradia é própria, simples, que os móveis e eletrodomésticos não estão em bom
estado. A irmão mencionou que na família são três irmãos acometidos de transtornos mentais.
O autor afirmou não ser capaz de executar nenhuma atividade laboral devido à sua saúde,
declarou ainda que tem compromisso de pagar pensão alimentícia no valor de R$ 365,00. A
Assistente Social registrou que não identificou barreiras sociais à participação do autor na
comunidade, bem como que seu direitos fundamentais estão resguardados, tendo em vista que
a irmã é responsável pelo sustento da família, recebendo salário mensal de R$ 1.554,31.
No entanto, no caso dos autos, o estado de pobreza - e não de miserabilidade - exigido pela
Constituição Federal vem bem demonstrado pela documentação acima relatada, que deixa
claro que a parte autora não possui qualquer tipo de renda e que a renda dos que compõem a
família é insuficiente para cobrir todos os gastos mensais (ao contrário do registrado no Laudo
Social). Portanto, resta claro que a autora não possui condições para o seu próprio sustento, o
mesmo se dando com a sua família.
Assim, não há como se afastar, na situação em apreço, o disposto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do pedido administrativo (01.04.2019 – ID
273491978 - p. 13).
Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a
observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº
784/2022-CJF, de 08/08/22).
Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de
sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o
valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, data da concessão do benefício,
nos termos da Súmula n. 111 do STJ.
A autarquia deve responder pelo pagamento das custas, eis que o STJ entendeu que a Lei
Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual nº 1.936/1998, não tem o condão
de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de custas, e não isentou as autarquias
federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp: 186067, Relator: Ministro
Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de Publicação: DJe
07/05/2010).
Diante do exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para a concessão do benefício
assistencial à pessoa com deficiência, nos termos da fundamentação.
Comunique-se ao INSS (Gerência Executiva), para que seja imediatamente implantado o
benefício nos exatos moldes da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DO ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO – AFERIÇÃO DA
POSSIBILIDADE DE O IDOSO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA PROVER A SUA
SUBSISTÊNCIA OU DE TÊ-LA PROVIDA PELA FAMÍLIA - MESMO APÓS A EDIÇÃO DA
LOAS, VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO - PRESENTES OS REQUISITOS - BENEFÍCIO
CONCEDIDO
1.Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o benefício
de um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência, que não
possam prover a sua subsistência ou tê-la provida por sua família.
2. Requisitos como a idade e deficiência defluem do disposto na Lei Orgânica da Assistência
Social e do laudo médico.
3. Já a prova da possibilidade de se prover a subsistência ou de tê-la provida pela família
decorre de condições fáticas que devem ser analisadas, caso a caso, a partir das provas
constantes dos autos, com especial atenção para o laudo social.
4. Comprovados todos os requisitos, o benefício deve ser concedido.
5. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.MARCUS ORIONEJUIZ FEDERAL CONVOCADO
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA