
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006143-33.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS ANTONIO SILVA DE LUCENA
Advogado do(a) APELADO: GILVANEI JOSE DA SILVA - SP403699-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006143-33.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS ANTONIO SILVA DE LUCENA
Advogado do(a) APELADO: GILVANEI JOSE DA SILVA - SP403699-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o restabelecimento de auxílio-acidente, desde a data de cessação.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, determinando o restabelecimento do benefício.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006143-33.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS ANTONIO SILVA DE LUCENA
Advogado do(a) APELADO: GILVANEI JOSE DA SILVA - SP403699-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DO AUXÍLIO-ACIDENTE
Nos termos do art. 86 da Lei n.º 8.213/91, o benefício de auxílio-acidente “será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”, registrando-se que, consoante dispõe o § 1.º do art. 18 do mesmo diploma legal, “somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos incisos I, II, VI e VII do art. 11 desta Lei”.
O requisito concernente à qualidade de segurado está previsto nos arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios, a saber:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;
b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, definida em legislação específica, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas;
c) o brasileiro ou o estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior;
d) aquele que presta serviço no Brasil a missão diplomática ou a repartição consular de carreira estrangeira e a órgãos a elas subordinados, ou a membros dessas missões e repartições, excluídos o não-brasileiro sem residência permanente no Brasil e o brasileiro amparado pela legislação previdenciária do país da respectiva missão diplomática ou repartição consular;
e) o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da legislação vigente do país do domicílio;
f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença a empresa brasileira de capital nacional;
g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a União, Autarquias, inclusive em regime especial, e Fundações Públicas Federais;
h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social
i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social;
j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;
II - como empregado doméstico: aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos;
(...)
VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviço de natureza urbana ou rural definidos no Regulamento;
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (...)”
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
Ressalte-se que, por expressa vedação legal, o segurado vinculado ao regime como contribuinte individual (art. 11, inciso V, da Lei n.º 8.213/91) não faz jus ao benefício de auxílio-acidente, sendo entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça que “os trabalhadores autônomos assumem os riscos de sua atividade e, como não recolhem contribuições para custear o acidente de trabalho, não fazem jus ao auxílio-acidente” (6.ª Turma, AgRg no REsp 1171779 / SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 10/11/2015, DJe 25/11/2015).
A perda da qualidade de segurado, como se infere do texto legal, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102 da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Por fim, necessário o registro no sentido de que o benefício pleiteado dispensa a carência prevista no art. 26, inciso I, da Lei 8.213/91: “Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (...) I – pensão por morte, salário-família e auxílio-acidente”.
DO CASO DOS AUTOS
Objetivando comprovar a qualidade de segurado, o autor juntou extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), do qual se infere que recolheu contribuições previdenciárias nos períodos de 6/7/1992 a 20/10/2009, e recebeu benefício previdenciário de auxílio-doença de 10/2/2004 a 17/5/2004, 25/1/2006 a 27/10/2007, 2/6/2011 a 25/3/2013, 2/6/2011 (sem registro de saída), 11/4/2013 a 30/10/2013, 5/11/2013 (sem registro de saída – última remuneração em 8/2022) e recebeu auxílio-acidente de 28/10/2007 a 26/12/2019 (Id. 304511253).
Assim, tornam-se desnecessárias maiores considerações a respeito desse requisito, restando demonstrada a inocorrência da perda da qualidade de segurado, nos termos do art. 15, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, e tendo em vista o ajuizamento da ação em 6/5/2024.
O requerimento administrativo foi apresentado em 4/12/2023 (Id. 304511254).
No que concerne à redução da capacidade de trabalho, esta já foi comprovado, tendo o autor recebido o benefício por considerável lapso temporal. A celeuma reside no fato do autor ter passado a contribuir para regime próprio de previdência social e se isto é motivação idônea para que o benefício de auxílio-acidente seja cessado.
Estatuí o Art. 86, da Lei n.º 8.213/91:
“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
(...)
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.” (grifos nossos)
Nesse ponto, a lei de regência é clara ao estabelecer que o auxílio-acidente pode ser cumulado com qualquer outra remuneração ou rendimento recebido pelo beneficiário e somente será cessada em caso de aposentadoria.
Em vista do descrito, observa-se que a Autarquia ré realizou leitura do dispositivo para além do dito pelo legislador inovando no ordenamento jurídico, realizando interpretação extensiva, incabível no presente caso.
No mais, conforme bem pontuado pelo juízo a quo:
“A controvérsia restringe-se acerca da legalidade da interrupção do auxílio-acidente em decorrência da emissão da CTC, fundamentada administrativamente na previsão contida no artigo 511, § 5º da IN 128 de 28.03.2022, que assim dispõe:
Art. 511. A Certidão de Tempo de Contribuição - CTC emitida pelo INSS é o instrumento que permite que o tempo de contribuição vertido para o RGPS seja aproveitado por Regimes Próprios de Previdência Social - RPPSs ou Regimes de Previdência Militar, para fins de contagem recíproca.
§ 1º A CTC deverá ser única, devendo nela constar os períodos de efetiva contribuição ao RGPS, de forma integral, e os respectivos salários de contribuição a partir de 1º de julho de 1994.
§ 2º Para a expedição da CTC, não será exigido que o segurado se desvincule de suas atividades abrangidas pelo RGPS.
§ 3º Para efeito do disposto no caput, a pedido do interessado, a CTC poderá ser emitida para períodos fracionados, o qual deverá indicar os períodos que deseja aproveitar no órgão de vinculação.
§ 4º Ao requerente que exercer cargos constitucionalmente acumuláveis, no mesmo ou em outro ente federativo, é permitida a emissão de CTPC única com destinação do tempo de contribuição para, no máximo, RPPS de dois entes federativos ou o RPPS de um mesmo ente federativo para averbação nos dois cargos acumulados.
§ 5º Se o requerente estiver em gozo de abono de permanência em serviço, auxílio-acidente ou auxílio-suplementar, a CTC poderá ser emitida, sendo o benefício cessado na data da emissão.
Para a averbação do tempo de contribuição em regime previdenciário diverso, é necessário apresentar Certidão de Tempo de Contribuição, o que permite a transferência de recursos financeiros do regime de origem para o regime instituidor do benefício, na forma da Lei 9.796/1999.
Contudo, a mera emissão da CTC não pode ter o condão de cessar o pagamento do benefício. O artigo 86, § 2º, da Lei de Benefícios apenas veda a cumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria, não prevendo, todavia, a cessação do auxílio-acidente em caso de mera emissão de Certidão de Tempo de Contribuição para averbação de tempo de contribuição em regime próprio.
Resta evidente, portanto, que o disposto nos artigos 129 do Decreto 3048/99 e 551 da IN 128/22 (acima descrito) impõem limitação não prevista em lei, afrontando o princípio da hierarquia das normas e o art. 5º, II, da CF.
Destarte, não há amparo legal à cessação do auxílio-acidente em caso de emissão de CTC. Nesse sentido:
E M E N T A EMISSÃO DE CTC. PARTE EM GOZO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. A CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE DEVE OCORRER QUANDO CONCEDIDA A APOSENTADORIA E NÃO NA MERA EMISSÃO DA CTC. DECRETO TRAZ CONDIÇÃO NÃO PREVISTA DA LEI, EXTRAPOLANDO A SUA FUNÇÃO REGULAMENTAR. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.
(TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: 5002266-73.2022.4.03.6339, Relator: MARCIO RACHED MILLANI, Data de Julgamento: 01/12/2023, 8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 11/12/2023)
Assim, faz jus a parte autora ao restabelecimento do benefício, sendo de rigor o acolhimento do pedido ventilado no presente processo.”
De rigor, portanto, a manutenção do benefício, não sendo hipótese de reforma da sentença proferida pelo juízo a quo.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Majoro a condenação ao pagamento de honorários fixados pelo juízo a quo em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA DISPENSADA. LIMITAÇÕES FUNCIONAIS DECORRENTES DE ACIDENTE RECONHECIDO PELO LAUDO PERICIAL. EXISTÊNCIA DE DIREITO AO BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. CESSAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS.
- Preenchidos os requisitos legais previstos no art. 86 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade de segurado e redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, em decorrência de acidente, é de rigor a concessão do auxílio-acidente.
- A dispensa da carência está expressamente prevista no art. 26, inciso I, da Lei n.º 8.213/91.
- A renda mensal do auxílio-acidente corresponderá a 50% do salário-de-benefício, que será devido no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, conforme disposto no art. 86, §§ 1.º e 2.º, da Lei n.º 8.213/91.
- Art. 86, §2.º, Lei 8.213/91, manutenção do benefício até a aposentadoria do beneficiário.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL