Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
0012546-19.2015.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
07/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA
ESPECIAL. TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. REMESSA OFICIAL. NÃO
CONHECIMENTO.
I- No que se refere ao reconhecimento do tempo de serviço especial, a jurisprudência é pacífica
no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do
princípio tempus regit actum.
II- O próprio Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis:
"Para os efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade
do trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n°
53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da Previdência
Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos anteriores à
unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo de atividade
rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado exclusivamente
na lavoura ou na pecuária." Outrossim, considera-se especial a atividade de trabalhador rural no
corte da cana-de-açúcar. A forma manual em que o labor é realizada ocasiona severos danos à
saúde, tendo em vista a exposição contínua a fertilizantes e agrotóxicos, picadas de animais
peçonhentos (escorpião, aranha e cobras) e desgaste físico intenso, sem mencionar os
lavradores que atuam no corte da cana-de-açúcar queimada, cuja queima da palha é responsável
pela emissão de grandes quantidades de poluentes com notórios efeitos cancerígenos à saúde.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Observa-se que o entendimento firmado no Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº
452-PE não possui efeito vinculante para o julgamento dos recursos nesta E. Corte.
III- A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial no período
pleiteado.
IV- Com relação à aposentadoria especial, houve o cumprimento dos requisitos previstos no art.
57 da Lei nº 8.213/91.
V- O termo inicial da concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera
administrativa, nos termos do art. 57, § 2º c/c art. 49, da Lei nº 8.213/91, não sendo relevante o
fato de a comprovação da atividade especial ter ocorrido apenas no processo judicial, conforme a
jurisprudência pacífica do C. STJ sobre o referido tema. Neste sentido: REsp nº 1.610.554/SP, 1ª
Turma, Relatora Min. Regina Helena Costa, j. 18/4/17, v.u., DJe 2/5/17; REsp nº 1.656.156/SP, 2ª
Turma, Relator Min. Herman Benjamin, j. 4/4/17, v.u., DJe 2/5/17 e Pet nº 9582/RS, 1ª Seção,
Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26/8/15, v.u., DJe 16/9/15.
VI- Com relação ao § 8º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, deve ser adotado o posicionamento
firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 791.961 (Tema nº 709).
VII- No tocante aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A
taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VIII- Na hipótese de a parte autora estar recebendo aposentadoria, auxílio-doença ou abono de
permanência em serviço, deve ser facultada ao demandante a percepção do benefício mais
vantajoso, sendo vedado o recebimento conjunto, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/91.
IX- O valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R.
sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
X- Apelação do INSS parcialmente provida. Remessa oficial não conhecida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0012546-19.2015.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LIZANDRA LEITE BARBOSA MARIANO - SP172115-N
APELADO: LUIZ HINEI VILLELA
Advogados do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A, ANTONIO CARLOS
ACQUARO NETTO - SP90916
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0012546-19.2015.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LIZANDRA LEITE BARBOSA MARIANO - SP172115-N
APELADO: LUIZ HINEI VILLELA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO CARLOS ACQUARO NETTO - SP90916
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 10/11/11 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão da aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo (17/8/11),
mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades mencionadas na petição inicial.
Sucessivamente, pleiteia a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quojulgou procedente o pedido, para reconhecer o caráter especial das atividades
exercidas nos períodos de 3/12/80 a 30/4/81, 2/5/81 a 1º/6/81, 24/9/81 a 10/10/81, 13/10/81 a
1º/2/82, 2/4/85 a 31/5/85 e 1º/6/86 a 17/8/11, bem como condenar o INSS ao pagamento da
aposentadoria especial a partir da data do requerimento administrativo, acrescida de correção
monetária a partir do vencimento de cada prestação “nos termos do art. 41, da Lei n° 8.213/91,
e alterações posteriores, até a inscrição do precatório e, a partir de então, remuneração básica
das cadernetas de poupança, nos termos do art. 100, § 12°, da Constituição Federal e do art.
28, § 6°, II, da Lei n.° 12.309/2010” (ID 102748769, p. 13) e juros de mora de 1% ao mês desde
a citação. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 5% sobre o valor das parcelas
vencidas, observada a Súmula nº 111 do C. STJ.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando que “[a] r. sentença está equivocada ao
reconhecer que o autor estaria enquadrado no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n 53.831/64.
Conforme fls. 38/42, o autor estava registrado como RURÍCOLA.Trata-se de atividade de
lavrador (trabalhador rural) e não há prova nos autos de enquadramento em atividades na
agropecuária. Todavia tal dispositivo (o código 2.2.1 do anexo ao Decreto n° 53.831/64.) não é
aplicável ao Lavrador nem ao Segurado Especial. (...) Ainda que se entendesse viável aplicar o
código 2.2.1 do anexo ao Decreto nº 53.831/64, para fundamentar a sobrecontagem do tempo
de exercício de atividade rural - o que admitimos apenas para exaurimento da argumentação - o
referido artigo não aplica-se a hipótese dos autos. (...) O Decreto refere-se à AGROPECUÁRIA.
Ainda que se concluísse que o Autor efetivamente trabalhou na lavoura, como ele alega, a
atividade agrícola, pura e simplesmente (sem qualquer desmerecimento por ela, muito pelo
contrário), não viabiliza o acréscimo” (ID 102748475, p. 8/10). Caso não seja esse o
entendimento, requer a fixação do termo inicial de concessão do benefício a partir da data do
afastamento da atividade especial ou da elaboração do Laudo Pericial, bem como a incidência
da correção monetária e dos juros de mora nos termos do art. 1º-F, da Lei n.º 9.494/97, com a
redação dada pela Lei n.º 11.960/09.
Com contrarrazões, e submetida a sentença ao duplo grau de jurisdição, subiram os autos a
esta E. Corte.
A parte autora pleiteia a regularização da digitalização de algumas páginas dos autos, as quais
estariam ilegíveis ou ausentes.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0012546-19.2015.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LIZANDRA LEITE BARBOSA MARIANO - SP172115-N
APELADO: LUIZ HINEI VILLELA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO CARLOS ACQUARO NETTO - SP90916
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
observo ser anódina nova digitalização, uma vez não há prejuízo à análise e ao andamento do
feito.
Passo à análise do mérito.
No que se refere ao reconhecimento da atividadeespecial, a jurisprudência é pacífica no sentido
de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio
tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR).
Quanto aos meios de comprovação do exercício da atividade em condições especiais, até
28/4/95, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos
anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado
meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR).
Com a edição da Lei nº 9.032/95, a partir de 29/4/95 passou-se a exigir por meio de formulário
específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do
Seguro Social.
A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao
incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da
efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico,
motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96.
No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei
a adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente a
partir 6/3/97, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento
dos Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C.
Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº
9.194/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14;
AgRg no AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em
18/3/14, v.u., DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de
Interpretação de Lei Federal nº 0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal
Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14.
Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória
nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o
qual alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-
se a admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes
nocivos. O art. 68 do Decreto nº 8.123/13 também traz considerações sobre o referido PPP.
Devo salientar que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não
impede a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração
expressiva no ambiente de trabalho.
Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes
nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era
menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do
trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo.
Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela
própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando
sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo,
diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030,
nos quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para
aposição da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no
PPP possa prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua
de informação expressa com relação à habitualidade e permanência.
Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual - EPInão é suficiente para
descaracterizar a especialidadeda atividade, a não ser que comprovada a real efetividade do
aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do
agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo
referido agente agressivo, conforme o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo
Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso
Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux.
Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição
do segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na
Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à
aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de
elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de
trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do
referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário
caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao
empregado.
Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação
de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A
respeito, é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que
"considerar que a declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz
consiste em condição suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será
desenvolvido adiante, para obter relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos
contrários ao cumprimento dessas normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à
Segurança do Trabalho).
Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da
realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente
ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos
econômicos.
Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de
dados confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não
concorre para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da
ineficácia do equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus
de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se
pode impor ao empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de
suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são
compartilhados por toda a sociedade.
Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima
mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de prévia fonte de custeio
para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a
regra que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do
equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria
especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não
consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º,
CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário,
disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria
constituição".
Quanto à aposentadoria especial, em atenção ao princípio tempus regit actum, o benefício deve
ser disciplinado pela lei vigente à época em que implementados os requisitos para a sua
concessão, devendo ser observadas as disposições do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Cumpre ressaltar que, no cálculo do salário de benefício da aposentadoria especial, não há a
incidência do fator previdenciário, tendo em vista o disposto no inc. II do art. 29 da Lei nº
8.213/91.
Passo à análise do caso concreto.
Inicialmente, destaco que o INSS não se insurgiu no tocante ao reconhecimento do caráter
especial da atividade de motorista, exercida no período de 1º/6/86 a 17/8/11.
1) Períodos: 3/12/80 a 30/4/81, 2/5/81 a 1º/6/81, 24/9/81 a 10/10/81, 13/10/81 a 1º/2/82 e 2/4/85
a 31/5/85.
Empresa: Pedra Agroindustrial S/A.
Atividades/funções: rurícola.
Agente(s) nocivo(s): enquadramento por categoria profissional.
Enquadramento legal: Código 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64.
Provas: Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (ID 102748767, p. 33/34), datado de 9/8/11
e Laudo Pericial (ID 102748768, p. 104/112), datado de 15/3/13.
Conclusão: Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial nos
períodos de 3/12/80 a 30/4/81, 2/5/81 a 1º/6/81, 24/9/81 a 10/10/81, 13/10/81 a 1º/2/82 e 2/4/85
a 31/5/85, por enquadramento na categoria profissional como trabalhador rural, nos termos do
código 2.2.1, do Decreto nº 53.831/64 ("Agricultura"/"Trabalhadores na agropecuária").
O próprio Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis:
"Para os efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade
do trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n°
53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da
Previdência Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos
anteriores à unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo
de atividade rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado
exclusivamente na lavoura ou na pecuária."
Outrossim, considero especial a atividade de trabalhador rural no corte da cana-de-açúcar. A
forma manual em que o labor é realizada ocasiona severos danos à saúde, tendo em vista a
exposição contínua a fertilizantes e agrotóxicos, picadas de animais peçonhentos (escorpião,
aranha e cobras) e desgaste físico intenso, sem mencionar os lavradores que atuam no corte
da cana-de-açúcar queimada, cuja queima da palha é responsável pela emissão de grandes
quantidades de poluentes com notórios efeitos cancerígenos à saúde. Observo que o
entendimento firmado no Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 452-PE não
possui efeito vinculante para o julgamento dos recursos nesta E. Corte.
Dessa forma, somando-se os períodos especiais reconhecidos nos presentes autos, perfaz o
autor mais de 25 anos de atividade especial, motivo pelo qual faz jus à concessão da
aposentadoria especial.
Tratando-se de segurado inscrito na Previdência Social em momento anterior à Lei nº 8.213/91,
o período de carência é o previsto na tabela do art. 142 de referido diploma, o qual, no presente
caso, foi em muito superado.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (DER), nos
termos do art. 57, § 2º c/c art. 49, da Lei nº 8.213/91, não sendo relevante o fato de a
comprovação da atividade especial ter ocorrido apenas no processo judicial. Revendo
posicionamento anterior, passo a adotar a jurisprudência pacífica do C. STJ sobre o referido
tema. Neste sentido: REsp nº 1.610.554/SP, 1ª Turma, Relatora Min. Regina Helena Costa, j.
18/4/17, v.u., DJe 2/5/17; REsp nº 1.656.156/SP, 2ª Turma, Relator Min. Herman Benjamin, j.
4/4/17, v.u., DJe 2/5/17 e Pet nº 9582/RS, 1ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j.
26/8/15, v.u., DJe 16/9/15.
Com relação ao § 8º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, deve ser adotado o posicionamento firmado
pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 791.961 (Tema nº 709).
No tocante aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção
do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação
do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual
se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso
concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção
monetária dos benefícios de natureza previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E.
Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: “Importante ter presente, para a adequada
compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em
referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data
em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de
declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de
um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas
sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª
Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-
F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
Na hipótese de a parte autora estar recebendo aposentadoria, auxílio-doença ou abono de
permanência em serviço, deve ser facultada ao demandante a percepção do benefício mais
vantajoso, sendo vedado o recebimento conjunto, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/91.
Por fim, o § 3º do art. 496 do CPC, de 2015, dispõe não ser aplicável a remessa necessária
"quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido
inferior a: I) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações
de direito público".
No tocante à aplicação imediata do referido dispositivo, peço vênia para transcrever os
ensinamentos do Professor Humberto Theodoro Júnior, na obra "Curso de Direito Processual
Civil", Vol. III, 47ª ed., Editora Forense, in verbis:
"A extinção da remessa necessária faz desaparecer a competência do tribunal de segundo grau
para o reexame da sentença. Incide imediatamente, impedindo o julgamento dos casos
pendentes. É o que se passa com as sentenças condenatórias dentro dos valores ampliados
pelo § 3º do art. 496 do NCPC para supressão do duplo grau obrigatório. Os processos que
versem sobre valores inferiores aos novos limites serão simplesmente devolvidos ao juízo de
primeiro grau, cuja sentença terá se tornado definitiva pelo sistema do novo Código, ainda que
proferida anteriormente à sua vigência." (grifos meus)
Observo que o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo
qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para determinar que seja adotado o
posicionamento firmado pelo C. STF, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 791.961 (Tema nº 709), bem como fixar os juros de mora nos termos do art.
1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 e não conheço da remessa
oficial, devendo a correção monetária ser fixada na forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA
ESPECIAL. TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. REMESSA OFICIAL. NÃO
CONHECIMENTO.
I- No que se refere ao reconhecimento do tempo de serviço especial, a jurisprudência é pacífica
no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do
princípio tempus regit actum.
II- O próprio Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis:
"Para os efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade
do trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n°
53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da
Previdência Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos
anteriores à unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo
de atividade rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado
exclusivamente na lavoura ou na pecuária." Outrossim, considera-se especial a atividade de
trabalhador rural no corte da cana-de-açúcar. A forma manual em que o labor é realizada
ocasiona severos danos à saúde, tendo em vista a exposição contínua a fertilizantes e
agrotóxicos, picadas de animais peçonhentos (escorpião, aranha e cobras) e desgaste físico
intenso, sem mencionar os lavradores que atuam no corte da cana-de-açúcar queimada, cuja
queima da palha é responsável pela emissão de grandes quantidades de poluentes com
notórios efeitos cancerígenos à saúde. Observa-se que o entendimento firmado no Pedido de
Uniformização de Interpretação de Lei nº 452-PE não possui efeito vinculante para o julgamento
dos recursos nesta E. Corte.
III- A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial no período
pleiteado.
IV- Com relação à aposentadoria especial, houve o cumprimento dos requisitos previstos no art.
57 da Lei nº 8.213/91.
V- O termo inicial da concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera
administrativa, nos termos do art. 57, § 2º c/c art. 49, da Lei nº 8.213/91, não sendo relevante o
fato de a comprovação da atividade especial ter ocorrido apenas no processo judicial, conforme
a jurisprudência pacífica do C. STJ sobre o referido tema. Neste sentido: REsp nº
1.610.554/SP, 1ª Turma, Relatora Min. Regina Helena Costa, j. 18/4/17, v.u., DJe 2/5/17; REsp
nº 1.656.156/SP, 2ª Turma, Relator Min. Herman Benjamin, j. 4/4/17, v.u., DJe 2/5/17 e Pet nº
9582/RS, 1ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26/8/15, v.u., DJe 16/9/15.
VI- Com relação ao § 8º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, deve ser adotado o posicionamento
firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 791.961 (Tema nº 709).
VII- No tocante aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A
taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VIII- Na hipótese de a parte autora estar recebendo aposentadoria, auxílio-doença ou abono de
permanência em serviço, deve ser facultada ao demandante a percepção do benefício mais
vantajoso, sendo vedado o recebimento conjunto, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/91.
IX- O valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R.
sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
X- Apelação do INSS parcialmente provida. Remessa oficial não conhecida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e não conhecer da remessa
oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA