
D.E. Publicado em 26/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003070-49.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A parte autora ajuizou a presente ação em 11/11/2016 em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Documentos.
Assistência judiciária gratuita.
A sentença (fls. 82/89), proferida em 23/08/2017, julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder a aposentadoria por idade à parte autora, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, a partir da data do requerimento administrativo (12/08/2016). Condenou ainda, a autarquia, ao pagamento das parcelas em atraso, com correção monetária e juros de mora, além dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor devido até a data da sentença.
Por fim, foi concedida a tutela antecipada, sendo determinada a imediata implantação do benefício.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Apelação do INSS em que sustenta não restar comprovado o exercício da atividade rural, pelo que requer a reforma da r. sentença. Se esse não for o entendimento, pugna pela isenção do pagamento das custas processuais, a redução dos honorários advocatícios e a incidência dos juros de mora e correção monetária segundo o disposto na Lei n° 11.960/09.
Com contrarrazões subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003070-49.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Inicialmente, não conheço da parte da apelação do INSS em que requer a isenção das custas processuais, por lhe faltar interesse recursal, uma vez que assim foi decidido na r. sentença.
DO BENEFÍCIO
A Lei nº 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade a rurícola.
Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim dispõe:
No mais, segundo o RESP 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior à aquisição da idade:
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
PASSO À ANÁLISE DO CASO CONCRETO
A parte autora completou a idade mínima de 55 anos em 2016, posto que nascida em 20/07/1961 (fls. 11), devendo comprovar o exercício de atividade rural por 180 meses.
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental, in verbis:
Observa-se, pelo documento juntado às fls. 48, que o INSS reconheceu o exercício da atividade rural, por parte da autora, no período de 21/10/2008 a 12/08/2016.
Portanto, a requerente necessita comprovar a atividade campesina no período imediatamente anterior, de modo a que somado ao interstício já reconhecido pelo INSS some 180 meses de atividade rural.
E, para comprovar o exercício de tal atividade, junta aos autos os seguintes documentos:
- certidão de seu casamento, realizado em 22/12/1979 (fls. 11), em que seu cônjuge se encontra qualificado como servente, que conforme se observa pela cópia da CTPS juntada às fls. 28/40, trata-se de atividade urbana;
- cópia de sua CTPS (fls. 13/17), em que se observa registro de trabalho como trabalhadora rural, de 17/08/1987 a 29/10/1987;
- cópia da certidão de casamento dos genitores (fls. 18), realizado em 09/09/1950, em que o Sr. Francisco Manoel, seu pai, encontra-se qualificado como lavrador;
- cópia de duplicata (fls. 19) em nome do seu genitor, com vencimento em 07/10/1978, em que este se encontra qualificado como trabalhador rural;
- cópia de cartão de filiação do genitor a sindicato rural (fls. 21), com admissão em 10/07/1973, constando a sua profissão como lavrador;
- cópia de atestado de capacidade funcional em nome do seu genitor (fls. 22), com data de 23/08/1976, em que consta a profissão de trabalhador rural;
- cópia de ficha de matrícula escolar (fls. 24/27) da autora, relativamente aos anos de 1972 e 1973, em que o seu genitor encontra-se qualificado como lavrador;
- cópia da CTPS do cônjuge (fls. 28/40), em que constam alguns registros de trabalho em atividades rurais;
- declaração de exercício de atividade de pescadora, expedido pela Colônia de Pescadores Profissionais Z-2 que, no entanto, é inservível como prova, uma vez que não homologada por órgão oficial e,
- cartão de identificação de pescador profissional em nome da autora (fls. 44), com registro em 17/02/2009.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.
No entanto, à vista dos documentos anexados aos autos, verifica-se que a autora não faz a demonstração do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior àquele reconhecido pelo INSS.
Em consulta realizada no sistema CNIS, verifica-se que o cônjuge da autora exerceu somente atividades de natureza urbana a partir do ano de 1995, recebeu auxílio-doença de 06/03/1999 a 30/06/1999 e encontra-se recebendo aposentadoria por tempo de contribuição desde 15/09/2015, tendo como ramo de atividade o comerciário.
Ressalte-se que a parte autora não traz nenhum documento em nome próprio a demonstrar a sua condição de trabalhadora rural, exceto um único registro em CTPS, 17/08/1987 a 29/10/1987, época anterior àquela em que necessita comprovar atividade rural.
As testemunhas, por sua vez, conforme gravação em mídia digital, juntada às fls. 118, apesar de afirmarem ter conhecido a parte autora, não prestaram depoimentos contundentes a respeito da sua aludida atividade. Uma das testemunhas afirma que o marido da autora trabalhava registrado, por mês, na roça, o que não se sustenta considerando-se os registros - urbanos - existentes no sistema CNIS, no período imediatamente anterior àquele reconhecido pelo INSS, e em que a autora necessita comprovar a atividade campesina.
Por conseguinte, o conjunto probatório (documentos e testemunhas) não atende ao objetivo de provar a prestação de serviços rurais pelo período de tempo exigido pelo art. 142 da Lei n° 8.213/91, pelo que se impõe a reforma da r. sentença e a consequente revogação da tutela antecipada.
Consequentemente, condeno a parte autora ao pagamento da verba honorária, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), na esteira da orientação erigida pela E. Terceira Seção desta Corte (Precedentes: AR 2015.03.00.028161-0/SP, Relator Des. Fed. Gilberto Jordan; AR 2011.03.00.024377-9/MS, Relator Des. Fed. Luiz Stefanini). Sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da justiça gratuita, observar-se-á, in casu, a letra do art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
Com relação aos valores recebidos pela parte autora, a título de tutela antecipada, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido que é indevida a restituição dos valores percebidos de boa-fé pelo segurado, ante a natureza alimentar da referida verba.
Nesse sentido:
Em razão do caráter alimentar dos valores percebidos a título de benefício previdenciário, conjugado com a falta de configuração da má-fé, a devolução dos valores não se justifica.
Ressalte-se, ainda, que tal medida também se mostra descabida, considerando-se a natureza alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe provimento, na forma da fundamentação. Tutela antecipada revogada.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 11/06/2018 16:43:43 |