
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002265-19.2019.4.03.6105
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SERGIO FRANCA DE MENEZES
Advogado do(a) APELADO: OSVALDO ANDRE GUARTIERI - SP360402-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002265-19.2019.4.03.6105
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SERGIO FRANCA DE MENEZES
Advogado do(a) APELADO: OSVALDO ANDRE GUARTIERI - SP360402-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o
Recurso Especial n. 1.398.260
, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca dainviabilidade da aplicação
retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o
ARE n. 664.335
, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, em relação aos períodos debatidos de 4/6/1990 a 30/9/1991, de 1º/10/1991 a 22/8/1995 e de 7/5/1996 a 20/7/2017, está demonstrada, por meio de PPPs regularmente emitidos (pdf. 35/41), a exposição do autor a agentes biológicos infectocontagiosos (vírus e bactérias), fato que permite o enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
De fato, no período de 4/6/1990 a 30/9/1991, o autor ocupava o cargo de auxiliar de escritório dentro da unidade hospitalar da IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SANTOS e, embora exercesse atividades administrativas, o PPP é expresso ao indicar a sujeição a agentes biológicos (vírus, bactérias, protozoários) como fator de risco a que estava exposto.
Vale lembrar que a jurisprudência se firmou no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei n. 9.032/1995, uma vez que não havia essa exigência na legislação anterior (STJ, AgRg no AREsp 295.495/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/4/2013).
Sobre o enquadramento especial de atividades exercidas em ambiente hospitalar, cito julgados desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REGRA "85/95". NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS RECONHECIDA. ATENDENTE DE RECEPÇÃO E AUXILIAR DE ESCRITÓRIO. AMBIENTE HOSPITALAR. AGENTES BIOLÓGICOS. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS. (...)
7. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes biológicos agressores à saúde. 8. No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 30 (trinta) anos, 03 (três) meses e 08 (oito) dias (ID 7355449 - pág. 71), não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial de todo o período pleiteado. Ocorre que, no período de 02.03.1988 a 31.08.2017, a parte autora, nas atividades de
atendente de recepção e auxiliar de escritório em hospital
, esteve exposta a agentes biológicos consistentes em vírus e bactérias (ID 73554444 - págs. 52/54, ID 73554623 e ID 73554639), devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesse período, conforme código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, e conforme código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79, código 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99. Entendo, ainda, que aexposição aos citados agentes biológicos é inerente à função exercida em ambiente hospitalar
. Os demais períodos indicados na exordial devem ser contabilizados como tempo comum, posto que não comprovada a exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos. (...) 14. Remessa necessária não conhecida. Apelação desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.(Apelação / Remessa Necessária: ApelRemNec 5791160-67.2019.4.03.9999. Relator: NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, TRF3 - 10ª Turma, Intimação via sistema Data: 15/05/2020)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REEXAME NECESSÁRIO INCABÍVEL. ATIVIDADE ESPECIAL CARACTERIZADA. TEMPO LABORATIVO SUPERIOR A 25 ANOS, EM ATIVIDADE EXCLUSIVAMENTE ESPECIAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE.
(...) Extrai-se do Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 41/42) que as atividades exercidas pela parte autora seriam, pois, de caráter especial, na medida em que as tarefas de "
auxiliar de escritório
", "gerente de faturamento" e "encarregada de recepção" o foram (exercidas) emambiente nitidamente hospitalar
, junto à "Associação do Hospital e Maternidade São José de Barra Bonita", comexposição a agentes biológicos (conforme explicitado no PPP) sendo, portanto, consideradas insalubres, com enquadramento nos códigos 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 do Quadro Anexo do Decreto nº 83.080/79, 3.0.1 do Quadro Anexo do Decreto nº 2.172/97, e 3.0.1 do Quadro Anexo do Decreto nº 3.048/99
. Deve ser considerado o interstício como tempo de serviço especial, excetuando-se, apenas, os intervalos relativos à percepção de benefícios por incapacidade. - Computando-se exclusivamente tempo laborativo especial, a parte autora atinge tempo necessário para a concessão do benefício de "aposentadoria especial", totalizados mais de 25 anos de labor já à época do pedido administrativo - aqui, vale também mencionar tabelas confeccionadas pelo INSS, em fls. 50/55. - Com relação à correção monetária e aos juros de mora, determino a observância dos critérios contemplados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor, por ocasião da execução do julgado. - Remessa oficial não conhecida. - Apelação do INSS provida em parte.(Apelação/Remessa Necessária: ApelRemNec 0043073-17.2016.4.03.9999 ..Processo_Antigo: 201603990430734 ..Processo_Antigo_Formatado: 2016.03.99.043073-4, ..RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, TRF3 – 8ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 20/04/2017)
Por outro lado, no tocante ao interstício de 1º/10/1991 a 22/5/1995, também laborado na IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SANTOS, na função de técnico eletrônico, extrai-se da profissiografia indicada no PPP que o autor executava manutenção preventiva e corretiva de máquinas, instalações e equipamentos elétricos em toda a instituição, o que denota a exposição habitual e permanente aos agentes biológicos indicados.
A propósito, o Laudo Técnico de Condições de Ambiente de Trabalho - LTCAT da Santa Casa (pdf. 400) é expresso nesse sentido.
Da mesma forma, constata-se a exposição habitual e permanente do autor aos agentes nocivos biológicos no período de 7/5/1996 a 20/7/2017, trabalhado para a empresa FRESENIUS MEDICAL CARE, no qual executava serviços técnicos relacionados a instalação e manutenção (preventiva e corretiva) de equipamentos em clínicas de saúde.
Assim, a sentença não merece reparos quanto ao reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos debatidos.
Nessas circunstâncias, a parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo,
faz jus ao benefício de aposentadoria especial
, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Diante do exposto,
nego provimento
à apelação do INSS.É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
- À concessão de aposentadoria especial exige-se a comprovação de tempo de trabalho sob condições especiais nos termos estabelecido no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A jurisprudência firmou-se no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei n. 9.032/1995, uma vez que não havia essa exigência na legislação anterior.
- Havendo Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPP) a indicar o desempenho de atividades com exposição habitual e permanente a agentes biológicos (vírus e bactérias), em razão do exercício de atividades em ambiente hospitalar, é possível o enquadramento da atividade como especial.
- A parte autora conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de atividades exercida sob condições especiais e, portanto, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.