
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319677-08.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: DARCY PEREIRA DE JESUS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DARCY PEREIRA DE JESUS
Advogado do(a) APELADO: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319677-08.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: DARCY PEREIRA DE JESUS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DARCY PEREIRA DE JESUS
Advogado do(a) APELADO: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelações interpostas em face de sentença com o seguinte dispositivo:
“Ante o exposto JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão, e, de conseguinte, extingo o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: (i) reconhecer que o autor exerceu atividade especial, nos períodos compreendidos entre 06.09.1987 a 31.12.1990, 17.04.1991 a 20.11.1991, 30.10.1995 a 23.10.1998, 21.01.2002 a 04.03.2009, 29.06.1983 a22.10.1983, 28.10.1983 a 18.12.1983, 09.07.1984 a 20.10.1984, 15.04.1985 a 06.09.1985,12.09.1985 a 28.06.1986, 07.05.1986 a 08.11.1986, 23.04.1987 a 07.05.1987, 20.05.1987a 27.05.1987, 20.05.1987 a 10.06.1987, 01.09.1992 a 30.12.1992, 01.12.1992 a13.01.1993, 01.02.1993 a 28.04.1995, 01.01.1991 a 07.05.1991, 01.06.1999 a 31.07.2001 e 19.01.2011 a 31.01.2013, devendo a autarquia proceder à averbação e à conversão; e (ii)condenar a autarquia a pagar ao autor aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, o que lhe for mais benéfico, nos termos da lei, caso a medida preconizada no item (i) implicar a existência de tempo mínimo relativo ao benefício, desde o requerimento administrativo, com correção monetária pelo índice IPCA1, e juros moratórios aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Ante a sucumbência mínima do autor, suportará o réu o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez porcento) sobre o valor das prestações vencidas (cf. súmula n. 111, do C. Superior Tribunal de Justiça), nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC.”
Sustenta Darcy Pereira de Jesus, em razões recursais, que, conforme conclusão do perito judicial, esteve exposto, nos períodos de 01/02/2013 a 30/01/2014 e de 01/05/2014 a 08/09/2017, a níveis de ruído acima do limite legal de tolerância e a agentes químicos. Argumenta que a prova pericial deve se sobrepor ao PPP do empregador, e a diferença de 0,9 dB (A) entre o nível de ruído apurado pelo perito judicial e o limite legal de tolerância é insignificante, para que se justifique a contagem do tempo de serviço como comum.
Alega o INSS, em razões recursais, que: 1) no período de 1960 a 29/04/1995, não se cogita de atividade especial antes de 04/09/1960, o enquadramento se fazia por categoria profissional, e a inclusão de atividade que não estivesse catalogada dependia de laudo técnico contemporâneo; 2) no período de 29/04/1995 a 05/03/1997, o enquadramento como tempo de serviço especial demandava formulário específico e exposição permanente e habitual a agente nocivo à saúde e integridade física do trabalhador; 3) se o uso de equipamento de proteção individual reduz ou neutraliza o agente nocivo, não cabe aposentadoria especial ou conversão de tempo comum em especial; 4) a qualificação do tempo especial por ruído reclama laudo técnico contemporâneo ao serviço; 5) o trabalho rural exercido na vigência do Decreto nº 53.831/1964 não pode ser considerado especial, seja por falta de previsão de categoria profissional, seja por exclusão do trabalhador rural do rol de beneficiários da aposentadoria por tempo de contribuição; e 6) a exposição a raios solares não caracteriza agente nocivo, estando excluída do rol de radiação não ionizante e não tendo a permanência e habitualidade necessárias para o reconhecimento de tempo especial.
Houve contrarrazões aos recursos.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319677-08.2020.4.03.9999
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Advogado do(a) APELANTE: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
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Advogado do(a) APELADO: PAMILA HELENA GORNI TOME - SP283166-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
1) Aposentadoria especial/Conversão de tempo especial em comum
A aposentadoria especial é concedida ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que exerça atividade laborativa em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por determinado período (15, 20 ou 25 anos), conforme relação de agentes nocivos constante de lei ou regulamento, com critérios de avaliação quantitativa (limites de tolerância na exposição ocupacional) e de avaliação qualitativa (natureza da exposição ocupacional).
Caso o trabalhador não complete o tempo necessário para a jubilação diferenciada, poderá converter o período de atividade especial em comum com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, devendo fazê-lo até a edição da EC nº 103/2019, que proibiu a conversão para trabalho exercido posteriormente (artigo 25, §2º, parte final).
A relação dos agentes físicos, químicos e biológicos nocivos é exemplificativa, em prejuízo da alegação de exclusão do fator de periculosidade: em primeiro lugar, o artigo 201, §1º, da CF, principalmente na redação anterior à EC nº 103/2019, emprega hipóteses abrangentes para a instituição da aposentadoria especial (condições especiais do trabalho que prejudiquem a saúde e integridade física do trabalhador), fixando um núcleo do direito social que não pode ser violado pela regulamentação infraconstitucional, mediante a exclusão abstrata de atividade perigosa, enquanto agente empiricamente hostil no mercado de profissões.
Em segundo lugar, a própria EC nº 103/2019 (artigo 1º) foi aprovada com remoção de trecho da proposta que excluía a caracterização de tempo especial por periculosidade, em indicativo da persistência do agente nocivo, por força de interpretação literal, sistemática, teleológica e até histórica da emenda constitucional.
Em terceiro lugar, as atividades e operações perigosas já constaram da relação de agentes nocivos que autoriza a concessão de aposentadoria especial, de modo que a supressão transgrediria o princípio da vedação do retrocesso social, como forma de estabilização de direitos já realizados nos âmbitos legislativo, regulamentar e administrativo (“efeito cliquet”). Pode-se cogitar, na mesma conjuntura, de transgressão dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na exclusão abstrata do fator de periculosidade, já que ele permanece como dado empírico de nocividade e pode ser controlado por meio menos oneroso, como a eliminação ou neutralização através de uso de equipamento de proteção individual ou coletiva (EPI).
Em quarto lugar, o artigo 57, caput, da Lei nº 8.213/1991 adota redação similar à do artigo 201, §1º, da CF, o que torna ilegal o regulamento que venha a excluir as atividades e operações perigosas do rol de agentes nocivos.
Em quinto lugar, o estado da técnica, a segurança/medicina do trabalho e a expansividade do mercado profissional põem em xeque a proposta exaustiva do regulamento que define os agentes físicos, químicos e biológicos prejudiciais à saúde do trabalhador, demonstrando a natureza dinâmica da aposentadoria especial e a necessidade de critérios abertos para o enquadramento, sob pena de violação do princípio da máxima efetividade da norma constitucional e dos princípios previdenciários da universalidade da cobertura e da proteção ao hipossuficiente.
E, em sexto lugar, o Direito do Trabalho e as normas regulamentadoras da segurança e medicina do trabalho mantêm a periculosidade como fator de nocividade (artigo 193 da CLT), impactando no Direito Previdenciário pela interconexão normativa e técnica.
O Superior Tribunal de Justiça considera exemplificativa a relação de agentes físicos, químicos e biológicos, confirmando a Súmula 198 do extinto TRF e mantendo a possibilidade de enquadramento de atividade especial por periculosidade, como no exercício das profissões de eletricista e de vigilante:
Súmula 198. “Atendidos os demais requisitos, é devida aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento.”
Tema 534. "As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)".
Tema 1031. “"É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado".
A forma de comprovação do tempo de atividade especial varia conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço (Temas 422 e 423/STJ): a) enquadramento por categoria profissional ou pelo exercício de atividade cuja nocividade não seja inerente a cada profissão, sem necessidade de permanência e habitualidade na exposição ocupacional (até 29/04/1995 – Lei nº 9.032/1995); b) formulários do INSS, especificamente IS n. SSS-501.19/7, ISS-132, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN-8030, e demonstrações ambientais (até 31/12/2003); e c) Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 01/01/2004).
A especificidade dos meios de prova estabelecida no âmbito da aposentadoria especial não prejudica a produção de perícia judicial na resolução de lide previdenciária, seja para invalidar informações contidas naqueles documentos técnicos, seja para suprir a ausência deles, através de aferição indireta de tempo de atividade especial – perícia por similaridade. Atuam como fundamentos o direito de ação, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da persuasão racional/livre convencimento motivado (AgInt no Resp 2022883, Segunda Turma, DJ 06/03/2023).
Após a contextualização da matéria, cabe a análise do preenchimento dos requisitos da aposentadoria pelo autor.
2) Trabalho rural exercido nos períodos de 29.06.1983 a 22.10.1983, 28.10.1983 a 18.12.1983, 09.07.1984 a 20.10.1984, 15.04.1985 a 06.09.1985, 12.09.1985 a 28.06.1986, 07.05.1986 a 08.11.1986, 23.04.1987 a 07.05.1987, 20.05.1987 a 27.05.1987, 20.05.1987 a 10.06.1987, 01.09.1992 a 30.12.1992, 01.12.1992 a 13.01.1993 e 01/02/1993 a 28/04/1995.
O laudo pericial atestou que o autor esteve exposto, no exercício das funções de trabalhador rural, colhedor, operário agrícola, ajudante geral, vigilante e zelador, a agentes nocivos à saúde e integridade física, seja por enquadramento profissional – agropecuária, guarda e operador de telecomunicação, segundo os itens 2.2.1., 2.5.7 e 2.4.5 do Decreto nº 53.831/1964 -, seja por exposição ocupacional – tóxicos orgânicos, de acordo com o item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/1964.
A base da qualificação do tempo especial foi extraída de anotações da CTPS, de Perfil Profissiográfico Previdenciário (emitido pelo empregador para retrato de estado laboral anterior, em suprimento de formulários e demonstrativos ambientais da época), de inspeção no local de trabalho (empresas ativas, sem mudança de leiaute) e de prova por similaridade (empresas inativas).
Ocorre que nem todo o período deve ser contabilizado como tempo especial. O trabalho rural, exercido seja na condição de empregado rural, seja na de segurado especial, somente pode receber aquela qualificação, se envolver atividade agropecuária, quando, então, o enquadramento seguirá a categoria profissional, ou se vier caracterizado pela exposição ocupacional a agentes nocivos à saúde e integridade física do trabalhador.
O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado nesse sentido, fazendo-o, inclusive, em pedido de uniformização de interpretação de lei:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. EMPREGADO RURAL. LAVOURA DA CANA-DE-AÇÚCAR. EQUIPARAÇÃO. CATEGORIA PROFISSIONAL. ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DECRETO 53.831/1964. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Trata-se, na origem, de Ação de Concessão de Aposentadoria por Tempo de Contribuição em que a parte requerida pleiteia a conversão de tempo especial em comum de período em que trabalhou na Usina Bom Jesus (18.8.1975 a 27.4.1995) na lavoura da cana-de-açúcar como empregado rural.
2. O ponto controvertido da presente análise é se o trabalhador rural da lavoura da cana-de-açúcar empregado rural poderia ou não ser enquadrado na categoria profissional de trabalhador da agropecuária constante no item 2.2.1 do Decreto 53.831/1964 vigente à época da prestação dos serviços.
3. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor.
Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC (Tema 694 - REsp 1398260/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5/12/2014).
4. O STJ possui precedentes no sentido de que o trabalhador rural (seja empregado rural ou segurado especial) que não demonstre o exercício de seu labor na agropecuária, nos termos do enquadramento por categoria profissional vigente até a edição da Lei 9.032/1995, não possui o direito subjetivo à conversão ou contagem como tempo especial para fins de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição ou aposentadoria especial, respectivamente. A propósito: AgInt no AREsp 928.224/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 8/11/2016; AgInt no AREsp 860.631/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/6/2016; REsp 1.309.245/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/10/2015; AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 13/3/2013; AgRg no REsp 1.217.756/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 26/9/2012; AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 9/11/2011; AgRg no REsp 1.208.587/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 909.036/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 12/11/2007, p. 329; REsp 291.
404/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 2/8/2004, p. 576.
5. Pedido de Uniformização de Jurisprudência de Lei procedente para não equiparar a categoria profissional de agropecuária à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-açúcar.(PUIL 452, Primeira Seção, DJ 08/05/2019).
Os períodos de 28/10/1983 a 18/12/1983, de 09/07/1984 a 20/10/1984 e de 01/09/1992 a 30/12/1992 não podem receber a qualificação de tempo especial, uma vez que não restou comprovada vinculação com atividade agropecuária. Além da generalidade da ocupação descrita na CTPS, o nome empresarial dos empregadores, enquanto prova de que se valeu o perito, descreve objeto diverso – comércio de frutas, empreiteira rural e firma de um dos sócios -, sem que haja elemento garantidor do enquadramento por categoria profissional.
Em contrapartida, os demais períodos tiveram a materialidade necessária, sendo que o perito, baseado no objeto social dos empregadores (agroindústria) e no PPP expedido, reconheceu a atividade agropecuária e descreveu os elementos tóxicos orgânicos a que ficava exposto o autor no desempenho do labor rural (herbicidas).
A alegação de que o trabalho rural exercido na vigência do Decreto nº 53.831/1964 não pode ser considerado especial, seja por falta de previsão de categoria profissional, seja por exclusão do trabalhador rural do rol de beneficiários da aposentadoria por tempo de contribuição, não procede. Em primeiro lugar, a qualificação, além da categoria profissional, podia ser feita mediante prova de exposição ocupacional a agentes físicos, químicos e biológicos prejudiciais à saúde e integridade física, como atestou o perito na sujeição do autor a elementos tóxicos orgânicos.
E, em segundo lugar, independentemente dos beneficiários da aposentadoria por tempo de contribuição na época da prestação do serviço, o autor requereu a aposentadoria e a conversão do tempo especial em comum com base na Lei nº 8.213/1991, que estabeleceu um regime de transição para o trabalho rural exercido anteriormente, admitindo a contabilização para efeito de aposentação (artigo 55, §2º).
Portanto, os períodos de 28/10/1983 a 18/12/1983, de 09/07/1984 a 20/10/1984 e de 01/09/1992 a 30/12/1992 não fazem jus à contagem abonada de tempo de serviço.
3) Trabalho exercido nos períodos de 08/09/1987 a 07/05/1991, 01/06/1999 a 31/07/2001, 01/02/2013 a 30/01/2014 e 01/05/2014 a 08/09/2017.
O ruído vem previsto pela legislação como agente nocivo à saúde e integridade física do trabalhador, sendo qualificado segundo o critério de avaliação quantitativo (nível de pressão sonora): superior a 80 decibéis (até 05/03/1997 – Decreto 2.172/1997), superior a 90 decibéis (até 18/11/2003 – Decreto 3.048/1999) e superior a 85 decibéis (a partir de 19/11/2003 – Decreto nº 4.882/2003).
Em função da nocividade sistemática, que extrapola a audição do trabalhador, o ruído mantém a qualificação do trabalho como tempo especial mesmo diante da declaração de eficácia de equipamento de proteção individual - EPI (Tema 555/STF). E, em caso de variação, deve seguir o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN), baseado na duração da jornada de trabalho, com a ponderação do pico da pressão sonora, se aquela metodologia não tiver sido adotada:
Tema 555/STF. “I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.”
Tema 1.083/STJ. "O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço".
O laudo pericial atestou que o autor ficou exposto, na operação de máquinas agrícolas, a ruído contínuo e intermitente, cuja média, conforme o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN), excedeu ao limite legal de tolerância em todos os períodos – entre 90,8 dB(A) e 91,8 dB (A).
A base da qualificação do tempo especial derivou de informações de PPP, emitido, inclusive, para retrato de estado laboral anterior, em suprimento de formulários e demonstrativos ambientais da época, e de dados do fabricante dos equipamentos usados.
Diferentemente do que constou da sentença, o período de 01/02/2013 a 30/01/2014 e de 01/05/2014 a 08/09/2017 também deve ser contabilizado como tempo especial. Embora o PPP tenha apurado ruído de 84,1 dB, abaixo do limite de tolerância vigente (85 dB), o perito, para chegar à pressão sonora excedente, aplicou o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN) e descartou a neutralização do agente nocivo decorrente do uso de equipamento de proteção individual - EPI.
Trata-se de conclusão condizente com a tese de repercussão geral fixada no Tema 555/STF, seja porque a neutralização consta de simples declaração do empregador, sem qualquer outra prova – o perito analisou o impacto sonoro de cada trator, carregadeira, equipamento de moagem e caminhão, com descrição do modelo usado -, seja porque a exposição ocupacional a ruído traz implicações que extravasam as funções auditivas, com a suscetibilidade de todo o organismo humano.
Desse modo, o período de 01/02/2013 a 30/01/2014 e de 01/05/2014 a 08/09/2017 deve receber a qualificação de tempo especial.
4) Consectários da averbação/condenação
O INSS calculara, no âmbito administrativo, o tempo de contribuição de 26 anos, 6 meses e 25 dias em 17/01/2017 (DER), reconhecendo como tempo especial o período de 06/09/1987 a 31/12/1990, 17/04/1991 a 20/11/1991, 30/10/1995 a 23/10/1998 e 21/01/2002 a 04/03/2009. Com a conversão do tempo especial aqui reconhecido em comum, o autor alcançou o tempo de contribuição de 37 anos, 3 meses e 11 dias na DER, o que garantiria a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais, na forma do artigo 9º, caput, da EC nº 20/1998, cuja exigência no âmbito da idade e do pedágio, enquanto norma transitória, ficara prejudicada diante do atingimento de tempo de contribuição de 35 anos previsto em norma constitucional permanente.
Ocorre que o autor atingiu o tempo especial de 25 anos previsto para a natureza dos agentes nocivos em discussão depois do requerimento administrativo, especificamente na data de 25/07/2017, fazendo jus, pela regra do benefício mais vantajoso (artigo 122 da Lei nº 8.213/1991), à concessão de aposentadoria especial, mediante reafirmação da DER, enquanto fenômeno do direito previdenciário a ser aplicado no processo administrativo ou no processo civil sob o fundamento de fato superveniente, segundo o Tema 995/STJ. Com 100% do salário de benefício e a inaplicabilidade do fator previdenciário (artigos 29, II, e 57, §1º, da Lei nº 8.213/1991), a renda mensal inicial é superior à da aposentadoria por tempo de contribuição.
Com a reafirmação, porém, antes do ajuizamento da ação (20/12/2017), não se pode cogitar de prestações devidas desde o implemento dos requisitos do benefício. A citação da autarquia, operada na data de 22/01/2018, representa o marco para a incidência dos efeitos financeiros (STJ, AgInt nos EResp 1865542, Primeira Seção, 20/08/2024).
A correção monetária e os juros de mora devem seguir o Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, que já incorporou as teses fixadas no Tema 810/STF, inclusive dos embargos de declaração nele julgados, e no Tema 995 do STJ. Desse modo, a TR não pode ser aplicada como índice de correção monetária, devendo ser substituída pelo INPC, em prejuízo da alegação do INSS.
Ademais, não se aplica o Tema 1124/STJ ao caso, devido ao fato de que o termo inicial dos efeitos financeiros da aposentadoria foi fixado na data da citação, que representa justamente a alternativa em discussão no recurso especial à DER.
Em função da iliquidez das prestações devidas desde a citação, os honorários de advogado devem ser fixados em sede de liquidação, com a necessidade de observância, desde já, da Súmula 111 do STJ (artigo 85, §4º, II, do CPC).
Ante o exposto, dou parcial provimento às apelações, fixando de ofício os consectários da condenação, nos termos da fundamentação acima.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL/CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. TRABALHO RURAL. ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL E EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL. RUÍDO. EPI. TEMPO ESPECIAL MANTIDO. APOSENTADORIA ESPECIAL. BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. A aposentadoria especial é concedida ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que exerça atividade laborativa em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por determinado período (15, 20 ou 25 anos), conforme relação de agentes nocivos constante de lei ou regulamento, com critérios de avaliação quantitativa (limites de tolerância na exposição ocupacional) e de avaliação qualitativa (natureza da exposição ocupacional).
2. Caso o trabalhador não complete o tempo necessário para a jubilação diferenciada, poderá converter o período de atividade especial em comum com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, devendo fazê-lo até a edição da EC nº 103/2019, que proibiu a conversão para trabalho exercido posteriormente (artigo 25, §2º, parte final).
3. A relação dos agentes físicos, químicos e biológicos nocivos é exemplificativa.
4. A forma de comprovação do tempo de atividade especial varia conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço (Temas 422 e 423/STJ): a) enquadramento por categoria profissional ou pelo exercício de atividade cuja nocividade não seja inerente a cada profissão, sem necessidade de permanência e habitualidade na exposição ocupacional (até 29/04/1995 – Lei nº 9.032/1995); b) formulários do INSS, especificamente IS n. SSS-501.19/7, ISS-132, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN-8030, e demonstrações ambientais (até 31/12/2003); e c) Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 01/01/2004).
5. A especificidade dos meios de prova estabelecida no âmbito da aposentadoria especial não prejudica a produção de perícia judicial na resolução de lide previdenciária, seja para invalidar informações contidas naqueles documentos técnicos, seja para suprir a ausência deles, através de aferição indireta de tempo de atividade especial – perícia por similaridade. Atuam como fundamentos o direito de ação, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da persuasão racional/livre convencimento motivado.
6. O laudo pericial atestou que o autor esteve exposto, no exercício das funções de trabalhador rural, colhedor, operário agrícola, ajudante geral, vigilante e zelador, a agentes nocivos à saúde e integridade física, seja por enquadramento profissional – agropecuária, guarda e operador de telecomunicação, segundo os itens 2.2.1., 2.5.7 e 2.4.5 do Decreto nº 53.831/1964 -, seja por exposição ocupacional – tóxicos orgânicos, de acordo com o item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/1964.
7. O trabalho rural, exercido seja na condição de empregado rural, seja na de segurado especial, somente pode receber aquela qualificação, se envolver atividade agropecuária, quando, então, o enquadramento seguirá a categoria profissional, ou se vier caracterizado pela exposição ocupacional a agentes nocivos à saúde e integridade física do trabalhador.
8. Os períodos de 28/10/1983 a 18/12/1983, de 09/07/1984 a 20/10/1984 e de 01/09/1992 a 30/12/1992 não podem receber a qualificação de tempo especial, uma vez que não restou comprovada vinculação com atividade agropecuária. Além da generalidade da ocupação descrita na CTPS, o nome empresarial dos empregadores, enquanto prova de que se valeu o perito, descreve objeto diverso – comércio de frutas, empreiteira rural e firma de um dos sócios -, sem que haja elemento garantidor do enquadramento por categoria profissional.
9. O laudo pericial atestou que o autor ficou exposto, na operação de máquinas agrícolas, a ruído contínuo e intermitente, cuja média, conforme o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN), excedeu ao limite legal de tolerância em todos os períodos – entre 90,8 dB(A) e 91,8 dB (A).
10. A base da qualificação do tempo especial derivou de informações de PPP, emitido, inclusive, para retrato de estado laboral anterior, em suprimento de formulários e demonstrativos ambientais da época, e de dados do fabricante dos equipamentos usados.
11. Diferentemente do que constou da sentença, o período de 01/02/2013 a 30/01/2014 e de 01/05/2014 a 08/09/2017 também deve ser contabilizado como tempo especial. Embora o PPP tenha apurado ruído de 84,1 dB, abaixo do limite de tolerância vigente (85 dB), o perito, para chegar à pressão sonora excedente, aplicou o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN) e descartou a neutralização do agente nocivo decorrente do uso de equipamento de proteção individual - EPI.
12. Trata-se de conclusão condizente com a tese de repercussão geral fixada no Tema 555/STF, seja porque a neutralização consta de simples declaração do empregador, sem qualquer outra prova – o perito analisou o impacto sonoro de cada trator, carregadeira, equipamento de moagem e caminhão, com descrição do modelo usado -, seja porque a exposição ocupacional a ruído traz implicações que extravasam as funções auditivas, com a suscetibilidade de todo o organismo humano.
13. Concessão de aposentadoria especial. Benefício mais vantajoso. Termo inicial dos efeitos financeiros na citação. Correção monetária e juros na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal. Honorários de advogado calculados segundo a Súmula 111/STJ.
14. Apelações a que se dá parcial provimento. Fixados, de ofício, os consectários da condenação.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL