
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:DIVINA PEREIRA ELIAS MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CIRO ALEXANDRE SOUBHIA - SP172085
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1002337-13.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi concedido o benefício de auxílio-doença, pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses, contados a partir da data da perícia médica, em 12/12/2022 (fls. 169/174).¹
Em suas razões, a autarquia previdenciária requer que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso. No mérito, alega que não restou comprovada a deficiência, uma vez que se trata de incapacidade temporária, sustentando, ademais, a ausência do requisito da miserabilidade. Assim, pugna pela reforma da sentença, diante da ausência dos requisitos ensejadores do benefício de prestação continuada, a fim de que o pedido seja julgado improcedente (fls. 178/187).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 189/191).
É o relatório.
¹ Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ademais, utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
O caso concreto
Primeiramente, observo que o pedido inicial desta ação foi direcionado à concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência (fls. 05/06), e que o presente feito foi conduzido no sentido de comprovar os requisitos necessários ao deferimento do aludido benefício.
Desse modo, foram juntados o CADÚNICO (fl. 23), os documentos médicos (fls. 14/21) e os laudos da perícia médica judicial (fls. 40/42) e do estudo social (fls. 52/58).
Na sentença recorrida, todavia, foi concedido o benefício de auxílio-doença à parte autora (fls. 169/174).
Em recurso de apelação, por sua vez, o INSS fundamentou o seu pedido de reforma da sentença com base na suposta ausência dos requisitos necessários ao deferimento do benefício de prestação continuada requerido na Inicial (fls. 178/187).
Assim, verifico que foi proferida sentença extra petita (CPC, art. 492), razão pela qual deve ser anulada. No entanto, com fulcro no art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC, entendo que o processo se encontra em condições de julgamento no que se refere ao pedido inicial da parte autora, com todas as provas necessárias ao seu deferimento. É o que passo a demonstrar.
Com efeito, verifica-se do laudo da perícia médica judicial que a parte autora apresenta transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo, doenças psíquicas que lhe causam incapacidade temporária para o trabalho, desde junho de 2021. O perito estipulou o prazo para recuperação em 36 meses a contar da perícia (fls. 40/42).
Logo, a parte autora possui impedimento de longo prazo capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo social (fls. 52/58) que a parte autora reside com seu marido em casa própria, em uma parcela de terra em um assentamento, e vivem com a produção da terra e com o aluguel de pasto, totalizando aproximadamente R$ 1.000,00 (mil reais) por mês.
De acordo com o estudo, as despesas mensais são assim especificadas: alimentação R$ 300,00 (trezentos reais); luz R$ 205,00 (duzentos e cinco reais); e medicação 350,00 (trezentos e cinquenta reais).
A assistente social concluiu da seguinte maneira: “percebemos claramente a situação de vulnerabilidade em que se encontra a senhora Divina Pereira Elias Martins, sugere-se a concessão do Benefício de Prestação Continuada-BPC” (fl. 54).
Em detida análise ao laudo social, resta evidente que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover a sua subsistência.
Sendo assim, a alegação do INSS de que não estariam comprovados os requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial não pode prosperar, uma vez que se encontram demonstrados o impedimento de longo prazo e a situação de miserabilidade, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Com esses fundamentos, dou parcial provimento à apelação do INSS para anular a sentença e, com base no art. 1013, § 3º, II, do CPC, condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, em favor da parte autora, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo, em 22/06/2021.
Condeno o INSS, ainda, no pagamento das parcelas vencidas, com incidência de juros e correção monetária na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, devendo ser descontados eventuais valores recebidos no decorrer do processo ou de forma administrativa.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
91APELAÇÃO CÍVEL (198)1002337-13.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
DIVINA PEREIRA ELIAS MARTINS
Advogado do(a) APELADO: CIRO ALEXANDRE SOUBHIA - SP172085
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA EXTRA PETITA. NULIDADE. REJULGAMENTO. ART. 1013, § 3º, II, CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTOU A DEFICIÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/93. MISERABILIDADE COMPROVADA. BENEFÍCIO DEFERIDO.
1. Na espécie, trata-se de ação direcionada à concessão de benefício assistencial, em que a sentença recorrida concedeu o benefício de auxílio-doença. O INSS, em sede de apelação, alega a ausência dos requisitos para a obtenção do benefício assistencial. Vê-se, portanto, que foi proferida sentença extra petita (CPC, art. 492), razão pela qual deve ser anulada.
2. Em face do disposto no art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC, estando o processo em condições de julgamento, o Tribunal decidirá desde logo o mérito, quando decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir.
3. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
4. No caso, restou comprovado nos autos que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, e não há elementos probatórios que demonstrem que houve alteração no seu estado de fato ou de direito desde o requerimento administrativo.
5. Apelação interposta pelo INSS parcialmente provida para anular a sentença e, com base no art. 1013, § 3º, inciso II, do CPC, condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, em favor da parte autora/apelada, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, nos temos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora