
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:KEILA MARCIA DA CRUZ TEIXEIRA DE MOURA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MICHELLE CORREIA DA SILVA - RO9333-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1000785-13.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de salário-maternidade a trabalhadora rural (19/24).
Em suas razões, a apelante pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento de que não estão presentes os requisitos necessários à concessão do benefício. Na manutenção da sentença, questiona diversos pedidos eventuais (fls. 11/18).
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
O salário-maternidade
A Constituição Federal de 1988 garante, no artigo 7º, inciso XVIII, a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 (cento e vinte) dias.
O benefício de salário-maternidade está previsto no art. 71 da Lei n. 8.213/91, que assim dispõe:
"Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade."
Em relação à segurada especial, o art. 39, parágrafo único, do mesmo diploma legal, assim estabelece:
"Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício."
Dessa forma, para a concessão do benefício, sem que haja a necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, é indispensável a comprovação de efetivo exercício de atividade atribuída legalmente ao segurado especial, assim definida na Lei n. 8.213/91:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
(...)
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes."
A par disso, o aludido dispositivo legal exige a comprovação do efetivo desempenho da atividade em regime de economia familiar, nos moldes nele referidos, o que reivindica a existência de prova material passível de ser confirmada através de robusta prova testemunhal.
No caso do salário-maternidade, o exercício de atividade rural deve ser devidamente comprovado durante o período de carência legalmente indicado para a concessão do benefício.
Das provas – qualidade de segurado
Registre-se que “A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada por esses trabalhadores em comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública) não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário” (AC 0031039-78.2012.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 20/03/2023 PAG.).
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol do art. 106 da Lei n. 8.213/91 tem natureza meramente exemplificativa (AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além daqueles nele indicados.
O caso concreto
Conforme se observa dos autos, a parte autora ajuizou a presente ação em 01/09/2023, após o indeferimento do requerimento administrativo do benefício, apresentando os seguintes documentos: cópia da certidão de nascimento da sua filha, Aline Eliza Santana da Cruz Moura, ocorrido em 22/02/2021, sem indicar a profissão dos genitores; b) certidão de casamento da autora com Gilmar Carneiro de Moura, realizado em 01/11/2012, em que consta a profissão dos nubentes de “funcionário público e esteticista”; c) contrato de compra e venda de imóvel rural, adquirida pela autora, firmado em 23/07/2015; d) declaração de aptidão do pronaf, emitida 29/10/2020, no nome da autora; e) ITR exercício 2021 no nome da autora, do Sítio localizado na linha MP-123, Lote 03,PA Machadinho, com área total de 55,3 há; f) e declaração de vacinação de 45 (quarenta e cinco) bovinos, no ano de 2020, emitida no nome da autora; g) INFBEN da parte autora com o recebimento de salário- maternidade, no ano de 2013, como contribuinte individual e em 2016 na condição de segurada especial
Por sua vez, o INSS apresentou seguintes informações do cônjuge da requerente: "Vínculos como empregado do Ministério da Saúde, exercendo o cargo de Agente de Combate as endemias, desde 1991, com comprovação de que, já no ano de 2018 recebia o salário no valor de R$ 6.184,94, juntou, ainda, à fls. 162, histórico dos vínculos com o poder Executivo Federal."
Ademais, sendo proprietário de “VEÍCULO(S): PLACA NCD-2528, RENAVAM 793797489, MODELO/MARCA FIAT/UNO MILLE FIRE, ANO 2003/2002; VEÍCULO(S): PLACA NDT-1609, RENAVAM 257960295, MODELO/MARCA HONDA/CG150 TITAN MIX EX, ANO 2010/2010; VEÍCULO(S): PLACA NCJ-7E21, RENAVAM 796957290, MODELO/MARCA GM/S10 EXECUTIVE 2.8 4X4, ANO 2003/2003 e VEÍCULO(S): PLACA NEF-3221, RENAVAM 1150226185, MODELO/MARCA HONDA/CG 160 FAN, ANO 2018/2017”, além de declaração de vacina, emitida no nome da autora, com o registro de 83 cabeças de gado.
Com efeito, o reconhecimento da qualidade de segurado especial está condicionado ao atendimento dos pressupostos legais, não bastando que o postulante seja, por exemplo, morador da zona rural ou proprietário de terras para atender a tal condição; é necessário, pois, concreto exercício da atividade rural, que se enquadre no regime de economia familiar, situação está que não restou comprovada nestes autos.
Anota-se, que os benefícios conferidos aos segurados especiais são uma exceção ao sistema contributivo da Previdência Social, razão pela qual devem ser concedidos de forma restritiva, isto é, somente àqueles que, de fato, preencham seus requisitos. No caso vertente, a ausência de comprovação do efetivo exercício de atividade agrícola em regime de economia familiar impede o deferimento do benefício.
Em caso semelhante, assim decidiu esta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. GRANDE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS. INCOMPATIBILIDADE COM O REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DE SUBSISTÊNCIA. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Tratam-se de apelações interpostas pela parte autora e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inexistência do débito de R$ 13.285,42, apurado no PA 35964.001279-2017-91, em relação ao Autor. 2. Apela a parte autora fundamentando que há nos autos vasta prova material, corroborada por prova testemunhal, que lhe conferem o direito à percepção do benefício de aposentadoria por idade, na condição de segurado especial. 3. Apela a parte ré, por sua vez, arguindo a necessidade de devolução, pelo segurado, de benefícios previdenciários recebidos de forma indevida, independentemente da boa-fé do mesmo. 4. Do exercício da atividade rural - É requisito para a concessão da aposentadoria rural erigida no art. 143 da Lei 8.213/91, a prova de atividade rural, ainda que descontínua, nos termos do referido artigo. O §4º do art. 55 da mesma lei, traz limitação sobre os meios de produção de prova, exigindo, regra geral, início de prova material, significação abrangida pelo conceito de documento. A referida limitação consta, também, do enunciado 149 da súmula do STJ. 5. No tocante à prova do labor rural, cumpre registrar que o e. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a notória dificuldade dos trabalhadores rurais em comprovar todo o período de atividade. 6. Não se pode olvidar, ainda, que na hipótese dos autos, deve ser considerado o aspecto social subjacente aos benefícios previdenciários destinados aos segurados especiais, no sentido de se evitar rigor excessivo na análise dos documentos comprobatórios da atividade rural, sob pena de inviabilizar a própria proteção social prevista na norma, em razão das limitações próprias do meio e formação daqueles trabalhadores. 7. No caso concreto, a parte apelante, nascida em novembro de 1955, cumpriu o requisito etário em 2015, tendo requerido administrativamente o benefício naquele mesmo ano. 8. Sob vertente diversa, a análise do conjunto probatório produzido conduz à conclusão de que, no caso, não se trata de segurado especial que labora em regime de economia familiar. Ao exame dos autos, se extrai que o Apelante não se enquadra na hipótese de pequeno produtor rural a quem a legislação previdenciária busca amparar em atenção à solução pro misero. 9. O grande volume de bovinos comercializado pelo Apelante, conforme se extrai o montante de R$ 11.618,09, é incompatível com a parca condição do segurado especial que merece a proteção assistencial do Estado. 10. Ressalte-se que as vendas em valores expressivos não se deram de forma isolada, havendo prova nos autos de que a comercialização dos produtos pelo Apelante se dava de forma corriqueira, em montantes vultuosos(R$ 2.029,50; R$ 9.000,00; R$ 1.370,53; R$ 1.545,00; R$ 15.530,00) 11. Desse modo, é patente a descaracterização da atividade rural em regime de economia familiar, a teor do disposto no art. 11, VII, "a", "1" da Lei 8.213/91. 12. Da devolução ao erário - A Administração detém o poder de autotutela sobre os seus próprios atos, que lhe dá liberdade para anulá-los, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, não se vislumbrando qualquer irregularidade na cessação de benefício previdenciário, acaso comprovado, em processo administrativo próprio, que o segurado não reunia as condições ao deferimento do benefício. A despeito deste poder de autotutela, é incabível a pretensão administrativa de ressarcimento ao erário, sendo pacífica a jurisprudência do STJ e deste E. TRF-1 no sentido de que não estão sujeitas à restituição, as parcelas percebidas de boa-fé pelo segurado e decorrentes de equivocada interpretação da Administração acerca do arcabouço probatório que instruiu o processo concessório. (STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1170485/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, DJ 14.12.2009, p. 168.). 13. Apelações desprovidas."
(AC 1000387-42.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 27/08/2019 PAG.)
Em sendo assim, impõe-se concluir que não está caracterizada a condição de segurado especial, conforme dispõe o art. 11 da Lei do RGPS, devendo ser indeferido o pedido.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS para reformar a sentença concessiva de salário-maternidade, na condição de segurado especial, à parte autora, nos termos do voto da relatora.
Inverto os ônus de sucumbência, ficando suspensa a sua exigibilidade, nos termos do art. 98, §3º do Código de Processo Civil.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1000785-13.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
KEILA MARCIA DA CRUZ TEIXEIRA DE MOURA
Advogado do(a) APELADO: MICHELLE CORREIA DA SILVA - RO9333-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BENS EM NOME DO CÔNJUGE DE VALOR INCOMPATÍVEL COM O LABOR CAMPESINO EM REGIME DE SUBSISTÊNCIA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL NÃO DEMONSTRADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PRENCHIDOS. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A segurada especial definida no art. 39, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91, faz jus ao benefício de salário-maternidade, mediante a comprovação do exercício de atividade rural nos últimos 10 (dez) meses imediatamente anteriores ao parto (art. 71 da Lei 8.213/91 e art. 93, § 2º. do Decreto 3.048/99).
2.Considera-se trabalho rural em regime de economia familiar, conforme dispõe o art. 11 da Lei do RGPS, a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
3. Existência de bens em nome do autor de valor incompatível com o labor rural em regime de subsistência, o que descaracteriza a qualidade de segurado especial.
4. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação interposto pelo INSS, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora