
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:DALVA LEMES RODRIGUES
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARCIO ANTONIO CANDIDO PEREIRA - GO35848-A e PEDRO ANTONIO CANDIDO PEREIRA - GO54175-A
RELATOR(A):LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010335-32.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de aposentadoria de trabalhador rural, por idade, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo (18/04/2017). (id. 419497089 fls. 204/207).
Em suas razões, a parte apelante pretende a reforma da sentença para que o pedido seja julgado improcedente, sustentando a prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao qüinqüênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, bem como, a ausência de prova material contemporânea e idônea do labor rural em regime de economia familiar. Subsidiariamente, requer a condenação da parte autora ao pagamento das custas do processo e da verba honorária, com fulcro no art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC. (fls. 210/215).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 233/256).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
DA PRELIMINAR
Da prescrição quinquenal
Em se tratando de relações jurídicas de trato sucessivo, a prescrição quinquenal atinge apenas as parcelas vencidas no período anterior aos cinco anos que antecedem o ajuizamento da ação, não atingindo a pretensão ao próprio fundo de direito (Súmula 85 do STJ).
MÉRITO
Da aposentadoria rural, por idade.
Nos termos do art. 48 da Lei nº 8.213/91, a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada por prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 (sessenta) anos para homem e 55 (cinquenta e cinco) anos para mulher.
Da carência
O requisito de carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642), cuja tese ficou assim redigida:
“O segurado especial tem que estar laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade” (REsp 1.354.908 SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Do regime de economia familiar
Nos termos do art. 11 da Lei do Regime Geral da Previdência Social, considera-se trabalho rural em regime de economia familiar a atividade em que o labor dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Das provas
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive aqueles que estejam em nome de membros do grupo familiar (REsp n. 1.354.908/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 9/9/2015, DJe de 10/2/2016).
A Primeira Seção da Corte Superior sedimentou entendimento, inclusive sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, acerca da possibilidade de extensão da eficácia probatória da prova material, tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento apresentado, desde que corroborada por robusta prova testemunhal (Súmula n. 577/STJ), não admitindo, nos termos da Súmula 149, a prova exclusivamente testemunhal (AgInt no REsp n. 1.949.509/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 17/2/2022.).
Do caso em exame
A parte autora, nascida em 25/09/1959, implementou o requisito etário em 25/09/2014 (55 anos), tendo formulado o seu requerimento administrativo em 18/04/2017.
Para a comprovação da qualidade de segurado e do período de carência, a autora apresentou, dentre outros, os seguintes documentos: a) certidão de casamento com Rubens da Costa Rodrigues, realizado em 1975; b) faturas de consumo de energia elétrica, em seu nome, relativas aos anos de 2020 e 2023; c) certidão de registro de imóvel rural, na qual o esposo da autora figura como proprietário, datado em 1997; d) certidão de registro de imóvel rural, no qual a autora e seu esposo figuram como proprietários, datado em 2009; e) certidões de nascimento das Sras. Cláudia Lemes Rodrigues, Lidiane Lemes Rodrigues e Cristiane Lemes Rodrigues, filhas da autora, constando a profissão de lavrador do esposo da autora, datados em 1978, 1986 e 1999; f) requerimentos de matrícula escolar de suas filhas, constando endereço rural e a profissão de lavrador de seu esposo, datado em 1985, 1987, 1989 e 1991; g) histórico do sistema único de saúde, constando endereço rural e a profissão da autora como lavradora, contendo atendimentos datados em 1994, 1995, 2000, 2006 e 2007; h) cadastro ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sancerlândia, Buriti de Goiás, Mossâmédes e Córrego do Ouro, constando sua aprovação em 1997; i) carteira sindical emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sancerlândia, Buriti de Goiás, Mossâmédes e Córrego do Ouro, datado em 1997; j) recibos de contribuições federativas – CONTAG – FATEG, em nome da autora, datadas em 1997 a 2006, 2009 a 2015; k) recibos de contribuições sindicais, datadas em 1997 a 2000, 2002 a 2014; l) certidão eleitoral, constando endereço rural e a ocupação como trabalhadora rural, datado em 2014; m) recibos de pagamentos de salário, em nome da autora, datados em 2016 a 2020; n) documento referente a orçamento de vendas de alimentos, em nome do esposo da autora, constando endereço rural, datados em 2017 e 2018; o) notas fiscais referentes à aquisição de produtos agrícolas, datadas em 2009, 2011, 2012, 2014, 2018, 2022. (id. 419496684 fls. 19/170).
Por sua vez, o INSS apresentou o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS da requerente e de seu cônjuge, contendo o registro de vínculos empregatícios, nos períodos de 1993 a 1994 e de 1991 a 2012 (policial civil), respectivamente.
O enquadramento como segurado especial, em regime de economia familiar, pressupõe que o trabalho rural seja indispensável à manutenção da própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, o que não ocorre no caso dos autos.
Verifica-se pelo CNIS apresentado, que o cônjuge da parte autora não exercia/deixou de exercer atividade rural em regime de economia familiar.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o fato de exercer o cônjuge atividade urbana não é suficiente para afastar a condição de segurada especial, mas afasta a eficácia probatória dos documentos apresentados em nome do consorte, devendo ser apresentada prova material em nome próprio.
Nesse sentido é o seguinte precedente, entre outros:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE RURAL. EXTENSÃO DE CONDIÇÃO DE RURAL AO CÔNJUGE. IMPOSSIBILIDADE. VÍNCULO URBANO. AUSÊNCIA DE PROVA EM NOME PRÓPRIO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
1. O labor campesino, para fins de percepção de aposentadoria rural, deve ser demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses idêntico à carência.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o exercício de atividade urbana pelo cônjuge, por si só, não descaracterizaria a parte autora como segurada especial, mas afasta a eficácia probatória dos documentos apresentados em nome do consorte, devendo ser juntada prova material em nome próprio.
3. No caso, a Corte de origem, após minucioso exame dos elementos fáticos contidos nos autos, consignou a fragilidade do conjunto probatório, haja vista que, a par de a documentação estar no nome do esposo da parte autora, que passou a exercer atividade urbana e se aposentou por tempo de contribuição, todo o acervo probatório juntado aos autos revelou-se insuficiente à comprovação de trabalho rural no período de carência.
4. A alteração dessas conclusões, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula 7/STJ.
5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1749069/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2021, DJe 20/05/2021)
Dessa forma, a autora não se desincumbiu do ônus de instruir a petição inicial com início razoável de prova material em nome próprio da atividade rural em regime de economia familiar, no período de carência exigida em lei.
A prova testemunhal, assim, não pode ser considerada suficiente para a comprovação do exercício da atividade rural, nos termos do entendimento da Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
No julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que nas ações previdenciárias, em vista da natureza das normas de proteção social, a ausência de prova a instruir a petição inicial implica no reconhecimento de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito, podendo o autor ajuizar novamente a ação reunindo novos elementos probatórios (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julg. 16/02/2015).
Ante o exposto, DECLARO EXTINTO o processo, sem apreciação do mérito, e julgo PREJUDICADO o exame da apelação interposta pelo INSS.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada
111
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010335-32.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
DALVA LEMES RODRIGUES
Advogados do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO CANDIDO PEREIRA - GO35848-A, PEDRO ANTONIO CANDIDO PEREIRA - GO54175-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE SIGNIFICATIVOS VÍNCULOS URBANOS EM NOME DO CÔNJUGE DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA DO BENEFICIO ORA PLEITEADO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL EM NOME PRÓPRIO. PROCESSO JULGADO EXTINTO. EXAME DA APELAÇÃO PREJUDICADO.
1. São requisitos para aposentadoria de trabalhador(a) rural: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o exercício de atividade urbana pelo cônjuge, por si só, não descaracteriza a qualidade de segurada especial da parte autora, mas afasta a eficácia probatória dos documentos apresentados em nome do consorte, devendo ser juntada prova material em nome próprio. Precedentes.
3. Hipótese na qual o CNIS do cônjuge da parte autora demonstram a existência de significativos vínculos empregatícios urbanos (policial civil), por longo prazo e durante o período de carência legalmente exigido para a concessão da aposentadoria rural, por idade, descaracterizando a sua condição de segurada especial, nos termos do art. 11, § 9º, inc. III, da Lei n. 8.213/91.
4. Não tendo sido apresentado início de prova material em nome próprio, da condição de segurado especial, não se configura direito ao benefício de aposentadoria por idade rural, que não pode ser concedido com base em prova unicamente testemunhal (Súmula nº 149, Superior Tribunal de Justiça).
5. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de recurso repetitivo, que, nas ações previdenciárias, em vista da natureza das normas de proteção social, a ausência de prova a instruir a inicial implica no reconhecimento de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem apreciação do mérito, podendo o autor ajuizar novamente a ação desde que reunidos novos elementos probatórios (Tema 629).
6. Processo julgado extinto, de ofício, sem exame do mérito. Exame da apelação do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, de ofício, sem apreciação do mérito, dando por prejudicado o exame da apelação interposta pelo INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada