
POLO ATIVO: MARTA APARECIDA GOMES
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ANDREIA CRISTINA ANDRADE MATTOS - MT14423-A e JHOANE MARRARA RODRIGUES DA SILVA - MT18425-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1002554-17.2019.4.01.3602 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002554-17.2019.4.01.3602
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARTA APARECIDA GOMES
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDREIA CRISTINA ANDRADE MATTOS - MT14423-A e JHOANE MARRARA RODRIGUES DA SILVA - MT18425-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Rondonópolis/MT, nos autos do processo nº 1002554-17.2019.4.01.3602 (id. 85849595), que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ausência de início de prova material do labor rural exercido pelo falecido.
Em suas razões, em síntese, a apelante alega o cerceamento de defesa, bem como postula pela concessão da pensão por morte (id. 85849599)
Regularmente intimada, a autarquia deixou de apresentar contrarrazões (id. 85849602).
É o relatório.

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1002554-17.2019.4.01.3602 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002554-17.2019.4.01.3602
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARTA APARECIDA GOMES
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDREIA CRISTINA ANDRADE MATTOS - MT14423-A e JHOANE MARRARA RODRIGUES DA SILVA - MT18425-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Passo a análise do apelo da autora que alega, primeiramente, a ocorrência do cerceamento de defesa o que, por consequência, levaria a nulidade da sentença proferida pelo juízo a quo.
Da análise do autos, verifica-se que o juízo a quo, ao proferir a sentença, incorreu em verdadeiro error in judicando. Ao extinguir o processo, sem resolução do mérito, o magistrado de origem não oportunizou a recorrente a produção da prova oral visando comprovar a qualidade de segurado do falecido, em lides campesinas, por entender ausente início de prova material do labor rural. Vejamos:
No caso em exame, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos: (i) declaração de exercício de atividade rural (ID 87186570 – págs. 1/2), relativa ao período de 26/06/2004 a 22/04/2006, datada de 17.07.2006; (ii) declaração com firma reconhecida de José Jorge Pinto, o qual alega que é “filho de Israel Pinto de Miranda (já falecido) [...] responsável pela propriedade acima citada (Fazenda São Francisco) até que se faça o inventário [...] o Sr. José Correia da Silva [...] trabalhou e residiu juntamente com sua esposa [...] como arrendatário meeiro em minha propriedade rural [...] desde os períodos de 26/06/04 a 22/04/06”, datada de 03.07.2006 (ID 87186570 – pág. 3); (iii) recibo de entrega da Declaração para apuração do imposto devido sobre a propriedade territorial rural, relativa ao ano de 2004, em nome de “Israel Pinto de Miranda”, cujo imóvel foi identificado como “Sítio São Francisco” (ID 87186570 – pág. 4); (iv) ficha de inscrição e controle, em nome da autora, perante o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, constando data de admissão em 17.07.2006 (ID 87186570 – págs. 5/6); (v) ficha de matrícula de Francielli Aparecida da Silva, assinada pelo de cujus em 22.01.2003 e 29.12.2003, e por terceira (Elizabete Maria de Jesus) em 09.01.2006, contendo a identificação de seus pais como sendo “lavrador” e “lavradeira” (ID 87186571 – pág. 1); (vi) ficha de matrícula de Edson Aparecido da Silva, assinada apenas por terceira (Elizabete Maria de Jesus) em 18.05.2005 e 09.01.2006, contendo a identificação de seus pais como sendo “lavrador” e “lavradeira” (ID 87186571 – pág. 2); (vii) documento escolar contendo dados de Francielli Aparecida da Silva, cujos pais constam como sendo “lavrador” e “do lar”, assinada por terceira (Elizabete Maira Jesus) em 11.05.99, 03.01.00, 13.01.01 e 14.01.02 (ID 87186571 – págs. 3/4); (viii) ficha de matrícula de Edson Aparecido da Silva, sem qualquer menção à ocupação dos pais, assinada por terceira (Elizabete Maria de Jesus) em 11.01.00 e 05.01.04, e pelo de cujus em 13.01.01, 16.01.02 e 15.01.03 (ID 87186571 – págs. 5/6); (ix) certidão de nascimento de seus filhos, Francielli e Edson, sem qualquer menção à ocupação dos pais (ID 87186573 – págs. 6/8); (x) cópia da CTPS do de cujus, contendo vínculos empregatícios em empresas do ramo da construção civil e outros de natureza urbana nos anos de 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990/1992, 1993, 1994, 1995, 1999 e 2004 (ID 87186573 – págs. 14/23); (xi) escritura de venda e compra do imóvel pelo Sr. Isral Pinto de Miranda (ID 87186573 – págs. 37/40).
Pois bem. À vista disso, considero não haver início razoável de prova material a autorizar o desenvolvimento válido do processo (designação de audiência de instrução e julgamento).
A autora pretende provar que o de cujus havia trabalhado nas lides rurais de junho/2004 a abril/2006. Contudo, a prova documental que instrui o feito é insuficiente para fazer frente a tais alegações.
A declaração de José Jorge Pinto, contida no ID 87186570 – pág. 3, não possui robustez necessária para compor início de prova material, eis que produzida unilateralmente, sendo frágil por este motivo.
Os demais documentos são inservíveis, ou por não fazerem qualquer referência a trabalho rural, bem assim por também terem sido produzidos de forma unilateral ou com base em declarações unilaterais (matrícula dos filhos; certidão de óbito).
Especial atenção merece, ainda, o fato de que a inscrição no Sindicato de Trabalhadores Rurais (ID 87186570 – págs. 5/6), feita em nome da própria autora e não do de cujus, foi expedida apenas em julho/2006, após o óbito de seu esposo/companheiro, ocorrido em abril/2006. Verifica-se, ademais, que nela não há qualquer menção a contribuições sindicais mensais.
Ocorre que diversos documentos citados na sentença constituem, sim, início de prova material do labor rural, como, por exemplo, a declaração de óbito e a matrícula dos filhos em escola rural, que apresentam a profissão do de cujus como sendo a de lavrador. No que tange a tal ponto de análise, cumpre, de modo definitivo, lembrar que
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. São idôneos, portanto, certidões de casamento, de óbito, de nascimento dos filhos, Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), certificado de reservista, carteiras de beneficiário do extinto INAMPS, entre outros registros públicos, sendo certo que a qualificação profissional de lavrador ou agricultor constante desses documentos não só aproveita em favor de seu titular, mas é extensível a cônjuge/companheiro(a) e aos filhos. Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural. Eventual enquadramento do segurado ou do cônjuge/companheiro como empregador rural tampouco descaracteriza a condição de segurado especial do beneficiário, seja por conta das provas produzidas, seja em virtude das disposições do Decreto-lei 1.166/71, segundo o qual a qualificação de empregador II-B é uma denominação a quem, proprietário ou não, mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência. Pontuo, ainda, que não desconfigura a qualidade de rurícola a existência de empregados temporários (art.11, VII, § 1º, da Lei 8.213/91) e a comercialização do excedente da produção feita diretamente pelo agricultor (art. 25 da Lei 8.212/91). A jurisprudência do STJ já firmou entendimento no sentido de que o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar quando, preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos (...).” (REsp 1649636, STJ, Rel. MIn. Herman Benjamin, 2ª T, DJE 19/04/2017).
Dessa maneira, em havendo razoável início de prova material quanto ao tempo e à natureza da atividade, é de se anular a sentença que, sem oportunizar a possível e relevante prova testemunhal, julga antecipadamente a lide. A realização de prova testemunhal é necessária à corroboração do início de prova material juntado aos autos, para a comprovação da qualidade de segurado do falecido.
Restou evidente, portanto, o cerceamento de defesa, violando-se os Princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5, LIV e LV, CRFB), razão pela qual reconheço a nulidade da sentença.
In verbis, precedentes do STJ e desta Corte Regional:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada. Novo exame do efeito. 2. A ausência de realização de audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra prejuízo pela não realização do ato processual, conforme ocorreu no caso dos autos. 3. No mérito, há cerceamento de defesa quando, a despeito de pedido de produção probatória, o magistrado julga de forma antecipada o pedido desfavoravelmente à parte, com fundamento na ausência de provas. Precedentes. 4. Evidenciado o cerceamento de defesa, deve ser declarada a nulidade do julgado, determinando-se o retorno dos autos à origem para possibilitar a instrução probatória, notadamente a colheita da prova oral. 5. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame do feito, conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial. (STJ - AgInt no AREsp: 1968508 PE 2021/0297017-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 14/02/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2022)
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. 1. Em tema de benefício previdenciário, havendo razoável início de prova material quanto ao tempo e à natureza da atividade, é de se anular a sentença que, sem oportunizar a possível e relevante prova testemunhal, julga antecipadamente a lide, incorrendo em cerceamento de defesa 2. A legislação previdenciária permite a comprovação de tempo de serviço, urbano ou rural, por prova testemunhal baseada em início de prova documental. Assim, havendo necessidade de colheita de determinada prova, o Juiz, em busca da verdade real, não só da verdade formal, deve determinar a produção da prova. 3. A realização de prova testemunhal é necessária à corroboração do início de prova material juntado aos autos, para a comprovação da condição de segurado da parte autora. A não realização da prova resta cerceamento de defesa. 4. Tendo sido configurado o cerceamento de defesa da parte autora, em face da improcedência do pedido, deve a sentença ser anulada, ante a impossibilidade do julgamento, nos termos do art. 1013, § 3º, do Novo CPC (Lei nº 13105/2015). 5. Apelação provida, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem a fim de que outra seja proferida após regular instrução do feito, com a produção de prova testemunhal. (TRF-1 - AC: 00045079120174019199, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 22/03/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 11/04/2017)
Outrossim, em demanda previdenciária, objetivando-se a concessão da pensão por morte com base em labor rural exercido pelo falecido, incorre em cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o magistrado condutor do feito não permite a produção de prova testemunhal, essencial à espécie.
Tendo sido configurado o cerceamento de defesa, em face da extinção do processo, sem resolução do mérito, deve a sentença ser anulada, ante a impossibilidade do julgamento antecipado, para regular processamento e julgamento do feito, oportunizando à parte autora a complementação das provas, com a produção da prova testemunhal.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para anular a r. sentença proferida em primeiro grau e determino o retorno dos autos ao juízo de origem para a realização da audiência de instrução e julgamento, em respeito ao contraditório e à ampla defesa.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1002554-17.2019.4.01.3602 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002554-17.2019.4.01.3602
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARTA APARECIDA GOMES
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDREIA CRISTINA ANDRADE MATTOS - MT14423-A e JHOANE MARRARA RODRIGUES DA SILVA - MT18425-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SENTENÇA ANULADA.
1. Em se havendo razoável início de prova material quanto à natureza da atividade, é de se anular a sentença que, sem oportunizar a possível e relevante prova testemunhal, julga antecipadamente a lide.
2. O comando exarado há de ser anulado, tendo em vista que sua prolação, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, deu-se sem realização da prova testemunhal, que também é imprescindível ao deferimento da prestação em testilha, na hipótese (nos autos verificada) em que a prova material apresentada seja apenas indiciária.
3. Restou evidente, portanto, o cerceamento de defesa, violando-se os Princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5, LIV e LV, CRFB), motivo que leva à necessidade de anulação da sentença.
4. Apelação provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação da autora e anular a sentença, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator