
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:JOSE ONIAS CHAGAS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: LAZARO GONCALVES DOS REIS FILHO - GO44826-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1003045-34.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, de trabalhador rural, a partir de 08/03/2018 (fls. 137/138)¹.
Em suas razões, a autarquia previdenciária sustenta, resumidamente, que não estão presentes os requisitos para a concessão do benefício, razão pela qual a sentença deve ser reformada, e o pedido julgado improcedente. Argumenta que o autor apresenta endereço urbano e sempre trabalhou na cidade, não sendo demonstrado o labor rural em regime de economia familiar (fls. 143/146).
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
¹Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
A concessão de benefício por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei n. 8.213/91, in verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
......
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Dessa forma, os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade são: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de doze contribuições mensais, quando necessário, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente e total (aposentadoria por invalidez) ou de forma temporária ou parcial (auxílio-doença).
Quanto aos segurados especiais, o art. 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91, dispõe que fica garantida a concessão “de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido [...]”.
Período de carência. O requisito da carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642), cuja tese ficou assim redigida: “O segurado especial tem que estar laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade” (REsp 1.354.908 SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Regime de economia familiar. Considera-se trabalho rural em regime de economia familiar, conforme dispõe o art. 11, § 1º, da Lei n. 8.213/91, “a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
Início de prova material. Para fins de reconhecimento do tempo rural, conquanto não se admita a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149), não é necessário que a prova documental alcance todo o período de carência, de forma que pode ser estendida para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol previsto no art. 106 da Lei n. 8.213/91 é meramente exemplificativo (AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge ou companheiro como trabalhador rural.
O caso concreto
A parte autora, nascida em 09/03/1963, ajuizou a presente ação em 25/03/2020, postulando a concessão do benefício de auxílio-doença e sua conversão em aposentadoria por invalidez ou, subsidiariamente, a concessão de benefício assistencial de prestação continuada.
O requerimento administrativo foi apresentado em 08/03/2018, sendo indeferido sob o fundamento de que não foi constatada a incapacidade para o trabalho (fl. 31).
Para a comprovação da qualidade de segurado e do período de carência, foram apresentados os seguintes documentos, entre outros de reduzido valor probatório: a) Certidão de casamento, na qual o autor está qualificado como construtor; b) Escritura pública de compra e venda de propriedade rural, datada de 31/03/2016, na qual a companheira aparece como compradora e lavradora - fls. 25/27; c) Documentação que comprova o cadastro do autor na Secretaria de Estado da Fazenda de Goiás, pela qual se observa que é produtor rural, com atividade econômica principal de criação de bovinos para leite - fls. 90/92 e 95/96; e d) Declaração de ITR em nome do requerente (fls. 93/94).
Também foram apresentados pelo INSS, em sua contestação, dados do CNIS do autor, dos quais se verifica que este manteve vínculos de emprego, na maior parte urbanos, nos seguintes períodos: 09/1985 a 12/1985, 01/1986 a 04/1986, 03/1988 a 06/1988, 12/1988 a 01/1989, 02/1992 a 04/1992, 09/1992 a 11/1992, 01/1993 a 05/1993, 11/1997 a 07/1998, 04/2005 a 05/2005, 05/2007 a 12/2007, 05/2008 a 08/2008 e 10/2010 a 03/2011 (fl. 58).
Com efeito, a criação de gado para leite evidencia que o requerente não se enquadra na hipótese de pequeno produtor rural, a quem a legislação previdenciária busca amparar em atenção à solução pro misero. Ao contrário, esse fato demonstra que, em verdade, se cuida de médio produtor rural, que explora a atividade com fins econômicos, condição incompatível com o regime de economia familiar esperado.
Anote-se, por necessário, que o regime de economia familiar se caracteriza pelo exercício de atividade cujo rendimento é indispensável à subsistência do núcleo familiar, o que não é o caso dos autos.
Sobre o tema, vale conferir os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO URBANO. INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO MUNICIPAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 11, §9º, DA LEI 8.213/1991. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. No caso dos autos, quanto à alegada ofensa ao artigo 1.022 do CPC/2015 depreende-se do acórdão recorrido que o Tribunal de origem, de modo fundamentado, tratou da questão suscitada, acerca da caracterização do autor como segurado especial, resolvendo, portanto, de modo integral a controvérsia posta.
2. Não está abarcado no conceito de segurado especial o trabalhador que possui outra fonte de rendimento, além daquele advindo do labor rural em regime de economia familiar, que seja decorrente do exercício de atividade remunerada em período superior a cento e vinte dias no ano civil, nos termos do artigo 11, § 9º, III, da Lei 8.213/1991.
3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.602.157/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 18/8/2020.)
.........
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE TRABALHO RURAL E URBANO NO PERÍODO DE CARÊNCIA. CONDIÇÃO DE RURÍCOLA, EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, NÃO COMPROVADA.
1. A teor do art. 11, § 9º, III, da Lei n. 8.213/1991, "o membro do grupo familiar que possui outra fonte de rendimento" não se enquadra na condição de rurícola, salvo na hipótese de o exercício da atividade urbana ocorrer apenas no "período de entressafra ou do defeso, não superior a cento e vinte dias, corridos ou intercalados, no ano civil".
2. Na espécie, o Tribunal de origem deixou consignado no acórdão recorrido que o autor trabalhou como vigia da prefeitura por período superior ao legalmente previsto, sendo, portanto, incontroverso o vínculo trabalhista urbano da parte recorrida durante o tempo da carência.
3. Entretanto, estão abarcados no conceito de segurado especial, o trabalhador que se dedica, em caráter exclusivo, ao labor no campo, admitindo-se vínculos urbanos somente nos estritos termos do inciso III do § 9º do art. 11 da Lei n. 8.213/1991.
4. Recurso especial do INSS provido, para restabelecer a sentença de primeiro grau. (REsp n. 1.375.300/CE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 1/3/2019.)
No âmbito desta Corte Regional, merece destaque o seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DESCARACTERIZAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. MÉDIO PRODUTOR RURAL. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Para a aposentadoria de rurícola, a lei exige idade mínima de 60 (sessenta) anos para o homem e 55 (cinquenta e cinco) anos para a mulher, requisito que, in casu, está comprovado nos autos. 2. Ausência de comprovação do exercício de atividade rural no período de carência (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91), eis que, mesmo existindo nos autos início de prova material, verifica-se pelo exame do conjunto probatório que na propriedade rural pertencente ao autor há produção de leite própria de empresa de médio porte, garantindo-lhe renda mensal que descaracteriza o labor rural em regime de subsistência, do que resulta impossível a concessão do benefício pleiteado. Além disso, há notícia nos autos de que o requerente ainda é proprietário de vários imóveis rurais, excedendo inclusive o limite legal de 4 módulos rurais. 3. Não se admite prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do exercício de atividade rural (Súmulas 149/STJ e 27/TRF da 1ª Região). 4. Apelação da parte autora não provida. (AC 0058789-79.2017.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 26/05/2023 PAG.)
Dessa forma, embora tenha sido demonstrada a incapacidade para o trabalho (fls. 47/52), a parte autora não se desincumbiu do ônus de instruir a petição inicial com início razoável de prova material contemporânea da atividade campesina, sob o regime de economia familiar, no período de carência exigido.
Ausente, pois, razoável início de prova material, não se pode reconhecer o tempo de atividade rural com base em prova exclusivamente testemunhal, em face do disposto na Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça.
Finalmente, devo registrar que no julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa” (REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016.).
Com esses fundamentos, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, e declaro prejudicada a apelação interposta pelo INSS.
Inverto os ônus de sucumbência, ficando suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil (fl. 39).
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
124
APELAÇÃO CÍVEL (198)1003045-34.2022.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
JOSE ONIAS CHAGAS
Advogado do(a) APELADO: LAZARO GONCALVES DOS REIS FILHO - GO44826-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. SENTENÇA JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO. PRODUTOR DE MÉDIO PORTE. NÃO CARACTERIZADO O REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA LEGAL. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXAME DA APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADO.
1. São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, quando necessário, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente e total (aposentadoria por invalidez) ou de forma temporária ou parcial (auxílio-doença).
2. Quanto aos segurados especiais, o art. 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91 dispõe que fica garantida a concessão “de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido [...]”.
3. A criação de gado para leite evidencia que o requerente não se enquadra na hipótese de pequeno produtor rural, a quem a legislação previdenciária busca amparar em atenção à solução pro misero. Ao contrário, esse fato demonstra que, em verdade, se cuida de médio produtor rural, que explora a atividade com intuito econômico, condição incompatível com o regime de economia familiar esperado.
4. O requisito de carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642).
5. No julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa” (REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016.).
6. Processo julgado extinto, sem resolução do mérito. Exame do recurso de apelação do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, extinguir o processo, sem apreciação do mérito, dando por prejudicado o exame da apelação interposta pelo INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora