
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:WENDEL PEREIRA BARBOSA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JULIANA CHAVES SIQUEIRA - GO19012-A e JESSICA PAOLA BUENO NETTO - GO47815
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1011486-38.2021.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, em 16/05/2019 (fls. (fls. 336/359) ¹.
Nas suas razões, a autarquia previdenciária requer seja concedido efeito suspensivo ao recurso. No mérito, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, diante da ausência do atendimento do requisito pertinente ao estado de miserabilidade, alegando que o autor possui um veículo automotor, um dos seus irmãos é empresário e o outro irmão também possui automóvel.
Eventualmente, pede que seja observada a prescrição quinquenal; que os juros sejam fixados de acordo com a redação dada pela Lei 11.960/09 ao artigo 1-F da Lei 9.494/97, e a correção monetária seja calculada pelo índice de correção monetária INPC; que os honorários sejam fixados no patamar mínimo e em observância à súmula 111 do STJ; bem como seja o termo inicial do benefício fixado na data do último laudo, em 17/02/2021 (fls. 343/347).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 351/357).
É o relatório.
¹ Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Da situação existencial de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetida ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. “Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
De acordo com o laudo da perícia médica judicial realizada, o autor é portador de transtorno obsessivo compulsivo, sem condições de aprendizado, apresentando crises de agitação e nervosismo. Manifesta comportamento incompatível com a idade cronológica, sendo necessário o uso de medicação constante. Além disso, não verbaliza e emite sons sem características de palavras.
Dessa forma, o perito concluiu que o autor se encontra incapaz, de forma permanente e total, desde novembro de 2018. Logo, restou demonstrada a existência de impedimento de longo prazo que pode obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo social que o autor reside em moradia própria, com a sua genitora e os seus 2 (dois) irmãos. As despesas mensais totalizam, aproximadamente, a quantia de R$ 1.625,00 (mil seiscentos e vinte e cinco reais). A genitora é aposentada, recebendo a quantia mensal de R$ 1.045 (mil e quarenta e cinco reais) e assume as despesas do grupo familiar. Os irmãos do autor trabalham fazendo bicos, sem renda fixa, e um deles possui um veículo Gol, ano 2009. Por fim, a assistente social emitiu parecer favorável ao deferimento do benefício.
Nessa seara, após análise do laudo pericial e do estudo social realizado nos autos, constata-se que o requerente se encontra em situação existencial de vulnerabilidade social.
Não merece vingar a alegação do INSS, no sentido de que não há hipossuficiência em razão da existência de uma empresa em nome do irmão do autor, uma vez que o autor informou, em contrarrazões, que a referida empresa não gera lucro para a família.
Quanto à alegação de que o autor e seu irmão são proprietários de veículos, trata-se de um Gol, ano 2009 e uma motocicleta HONDA/CG150, ano 2012/2013, ambos antigos e de baixo valor econômico, tendo o laudo social concluído pela existência de vulnerabilidade social.
Portanto, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
No que concerne ao termo inicial do benefício, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, na data da citação válida do INSS. Isso porque o laudo pericial serve, tão somente, para nortear tecnicamente o convencimento do juízo quanto à existência da incapacidade para a concessão de benefício.
Extrai-se da perícia médica judicial realizada (fls. 79/89) que a parte autora apresenta incapacidade total e permanente ao trabalho, desde novembro de 2018. Assim, restou comprovado, portanto, o impedimento de longo prazo, com início em data anterior ao requerimento administrativo, realizado no dia 16/05/2019, demonstrando que, nesta data, a parte já preenchia os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
É válido registrar que não há nos autos qualquer elemento probatório capaz de comprovar a existência de alteração no estado de fato ou de direito do autor, desde a data na qual apresentou o seu requerimento administrativo, devendo ser mantida a sentença também nesse ponto.
Quanto aos pedidos eventuais, constato que a ação foi ajuizada em 03/06/2020, não podendo ser acolhida a alegação de prescrição quinquenal prevista no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, uma vez que o benefício foi deferido a partir de 16/05/2019.
Por sua vez, os honorários advocatícios já foram fixados no mínimo e em observância à súmula 111 do STJ.
Finalmente, no que toca à correção monetária e aos juros de mora, nos termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905), devem ser aplicados o IPCA-E para a correção monetária e juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
O Manual de Cálculos da Justiça Federal, já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores. Desse modo, sobre o valor das parcelas em atraso devem incidir juros de mora e correção monetária apurados nos seus termos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo INSS.
Honorários advocatícios fixados em 1% do valor das parcelas vencidas até a data da prolação do acórdão (Súmula nº 111, do STJ).
É como voto.
Brasília, 24 de julho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1011486-38.2021.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
WENDEL PEREIRA BARBOSA
Advogados do(a) APELADO: JESSICA PAOLA BUENO NETTO - GO47815, JULIANA CHAVES SIQUEIRA - GO19012-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORIA DE DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO COMPROVADO. LAUDO SOCIAL ATESTANDO A SITUAÇÃO EXISTENCIAL DE MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E PARÁGRAFO 1° DA LEI 8.742/93. SENTENÇA MANTIDA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Em relação ao requisito da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
3. Hipótese na qual restou comprovado pelo estudo social e pela perícia médica judicial, que a parte requerente preenche os requisitos necessários à obtenção do benefício assistencial (situação existencial de vulnerabilidade social e deficiência), e não há elementos probatórios que evidenciem a existência de qualquer alteração no seu estado de fato ou de direito desde o requerimento administrativo.
4. Apelação interposta pelo INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 24 de julho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora