
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:UESLEI LAURINDO DO NASCIMENTO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ANA PAULA CARVALHO MARTINS E SILVA MORENO - MT11206-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1009878-97.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSS e pela parte autora, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, desde a data da citação da autarquia previdenciária, ocorrida em 04/09/2023 (fls. 543/547) ¹.
Nas suas razões (fls. 552/557), o INSS alega, genericamente, a ausência dos requisitos necessários ao deferimento do benefício pleiteado, razão pela qual pugna pela improcedência do pedido.
Requer, ainda: “1. A observância da prescrição quinquenal; 2. Na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS no 450, de 03 de abril de 2020, em observância as regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.o e 2.o da Emenda Constitucional 103/2019; 3. A fixacao dos honorarios advocaticios nos termos da Sumula 111 do STJ. 4. A declaracao de isencao de custas e outras taxas judiciarias; 5. O desconto dos valores ja pagos administrativamente ou de qualquer beneficio inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada.”
A parte autora, em suas razões, pleiteia a reforma parcial da sentença, apenas para que o termo inicial do benefício seja fixado na data da cessação administrativa, em 01/01/2023 (fls. 560/563).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 720/723).
É o relatório.
¹ Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Da situação existencial de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetida ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. “Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, respectivamente, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
De acordo com o laudo médico pericial (fls. 122/126), o autor é portador de Síndrome de Down, ausência de linguagem funcional severa e deficiência mental.
O perito afirmou que há incapacidade total, desde o nascimento e esclareceu que o autor não possui qualquer discernimento mental.
Logo, a parte autora possui impedimento de longo prazo capaz de obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo do estudo social realizado (fls. 131/135), que o requerente reside, em imóvel próprio, com os seus genitores e os seus dois irmãos. A renda da família é de R$ 2.440,00 (dois mil quatrocentos e quarenta reais), oriunda da pensão por morte que a genitora recebe, no valor de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais), somada às diárias realizadas pelo genitor, que trabalha em serviços informais, recebendo o valor mensal de R$ 1.120,00 (mil cento e vinte reais).
Os gastos fixos da família são com energia (R$ 226,22), água (R$112,16) e internet R$ 117, 90, sendo o restante da renda distribuído para o atendimento das necessidades básicas, como alimentação, vestuários e gás de cozinha.
Por fim, a assistente social proferiu parecer favorável ao deferimento do benefício, sustentando que este promoverá a dignidade humana do autor, já que, além de se tratar de pessoa portadora de deficiência, a renda familiar per capita não ultrapassa ¼ do salário mínimo.
O entendimento jurisprudencial atual considera que a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do beneficiário, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Nessa seara, após análise do laudo pericial e do estudo social realizado nos autos, constata-se que o requerente se encontra em situação existencial de vulnerabilidade social.
Logo, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Vale ressaltar que o art. 21 da Lei 8.742/93 estabelece que o benefício deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, cessando no momento em que estas forem superadas:
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
Assim, sendo apurada posteriormente a alteração das condições fáticas que ensejaram a concessão do benefício, este deve ser revisto pela Autarquia.
Com relação ao termo inicial do benefício, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que, como regra geral, deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo, e, na ausência deste, na data da citação válida do INSS. Isso porque o laudo pericial serve, tão somente, para nortear tecnicamente o convencimento do juízo quanto à existência da incapacidade para a concessão de benefício.
Por outro lado, o termo inicial dos benefícios por incapacidade corresponderá à data da perícia médica judicial nos casos em que não foi possível especificar a data de início da incapacidade laboral.
No caso em análise, é forçoso o reconhecimento de que o autor já se encontrava total e permanentemente incapacitado para o trabalho quando o benefício foi cessado, em 01/01/2023, haja vista a conclusão do perito judicial, ao afirmar a existência da sua incapacidade desde o nascimento, fato confirmado através dos demais elementos de prova constantes dos autos, como os relatórios médicos.
Em relação aos pedidos eventuais, constato a prescrição quinquenal foi devidamente observada em sentença.
No tocante à exigência da autodeclaração, trata-se de documento a ser apresentado junto ao requerimento administrativo, inclusive por meio dos canais remotos de atendimento do INSS, nos termos do art. 62, parágrafo único da Portaria 450/2020.
Por sua vez, os honorários advocatícios já foram fixados em observância à súmula 111 do STJ.
Ademais, não há que se falar em desconto de valores diante da inexistência de revogação de tutela antecipada.
No que se refere ao pedido do INSS direcionado à sua isenção do pagamento das custas processuais, também não lhe assiste razão, uma vez que não há previsão nesse sentido na nova redação da Lei n. 7.603/2001, dada pela Lei n. 11.077/2020, do Estado do Mato Grosso, conforme se pode ver abaixo:
Art. 1º As custas relativas às atividades desenvolvidas pelos órgãos do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso no foro judicial, inclusive no exercício da jurisdição federal, serão cobradas de acordo com os valores, notas explicativas e parâmetros estabelecidos nas Tabelas “A” - Custas da Segunda Instância, “B” - Custas da Primeira Instância, “C” - Custas dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e “D” - Custas dos Cartórios Não Oficializados. (Redação dada pela Lei nº 11077, D.O. de 13/01/2020)
Parágrafo único O recolhimento dos valores relativos aos atos praticados no Foro Judicial, previstos no art. 1º desta Lei, será feito por meio de Guia do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, vinculado ao respectivo processo, em qualquer instituição financeira. (Redação dada pela Lei nº 11077, D.O. de 13/01/2020)
[...]
Art. 3º Além dos casos previstos em lei, são isentos do pagamento de emolumentos, despesas e custas:
I - o Estado e o Município, salvo quanto aos valores despendidos pela parte vencedora da demanda; (Redação dada pela Lei nº 11077, D.O. de 13/01/2020)
II - o réu pobre, nos processos criminais;
III - qualquer interessado, nos processos relativos a menor em situação de risco (ECA);
IV - o Ministério Público, nos atos de ofício.
V - os advogados, na execução dos honorários advocatícios. (Acrescentado[a] pela Lei nº 11077, D.O. de 13/01/2020)
[...]
Ademais, sobre o tema em destaque, vale conferir o seguinte precedente desta Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADORA RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA RECONHECIDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDO PROCEDENTE. [...] 12. Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção. A Lei nº 7.603/01 do Estado de Mato Grosso, alterada pela lei 11.077/20, não prevê isenção para União. 13. Apelação da parte autora provida.(AC 1011363-06.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 19/03/2024 PAG.)
Sendo assim, não há fundamento legal para o acolhimento do pedido direcionado à isenção de custas processuais, formulado pelo INSS.
Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo INSS e dou provimento à apelação da parte autora para que o termo inicial do benefício seja fixado na data da cessação daquele percebido anteriormente, ou seja, em 01/01/2023.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
69APELAÇÃO CÍVEL (198)1009878-97.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
UESLEI LAURINDO DO NASCIMENTO
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA CARVALHO MARTINS E SILVA MORENO - MT11206-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO COMPROVADO. LAUDO SOCIAL ATESTANDO A SITUAÇÃO EXISTENCIAL DE MISERABILIDADE. CABIMENTO DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E PARÁGRAFO 1° DA LEI 8.742/93. DIB. CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Comprovado pelo laudo social e relatório médico que a parte requerente preenche os requisitos (vulnerabilidade social e deficiência) para a concessão do benefício assistencial, este é devido desde a data da sua cessação anterior.
3. Apelação do INSS a que se nega provimento. Apelação da parte autora provida para que o termo inicial do benefício seja fixado na data da cessação administrativa do benefício auferido anteriormente.
ACÓRDÃO
Decide a nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação interposta pelo INSS e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora