
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:APARECIDA GOMES FERREIRA LEBARCH
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: THATY RAUANI PAGEL ARCANJO - RO10962-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1002440-20.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial legalmente assegurado à pessoa portadora de deficiência, no valor de 01 (um) salário mínimo, a partir da cessação administrativa, em 01/11/2021 (fls. 165/171)¹.
Em suas razões, a autarquia previdenciária alega ausência de miserabilidade e pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido formulado na Inicial (fls. 174/189).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 203/208).
É o relatório.
¹ Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo, portanto, ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa vitimada por deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
Verifica-se que o laudo pericial atestou que a parte autora apresenta quadro de demência, encontrando-se incapacitada de forma total e permanente para desempenhar a sua atividade habitual, diante da dificuldade em realizar raciocínio lógico e da perda da consciência de localização em sítios já conhecidos previamente. O perito esclareceu que a parte é vítima de doença mental, desde 07/2017 (fls. 69/71).
Logo, a parte autora possui impedimento de longo prazo capaz de obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo social (fls. 58/66) que a requerente reside em imóvel próprio, com o seu marido. A propriedade é subdividida e o casal aluga o imóvel da frente, rmantendo a sua residência no do fundo.
A autora declarou renda mensal de 01 (um) salário mínimo, proveniente da pensão por morte em benefício do seu cônjuge (67 anos), aluguel do imóvel no valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta) reais e, da atividade braçal/diária que o cônjuge realiza, usufruindo, assim, uma renda esporádica e sem comprovação.
Os gastos mensais declarados foram com alimentação, R$ 600,00 (seiscentos) reais; consumo de energia elétrica e água tratada, R$ 370,00 (trezentos e setenta) reais, dividido com as famílias que residem locando o imóvel; internet, R$ 90,00 (noventa) reais. As despesas médicas (medicação) são custeadas pelo Estado, em razão de uma ação judicial.
Nessa seara, pelo estudo social realizado acostado nos autos, constata-se que a requerente se encontra em situação de vulnerabilidade social, pois o seu núcleo familiar sobrevive praticamente apenas com o valor da pensão do seu esposo.
Ressalte-se que o benefício previdenciário auferido pelo marido da autora, que atualmente está com 67 (sessenta e sete) anos de idade, e que é no valor de um salário mínimo, deve ser excluída da apuração da renda familiar, conforme previsão do art. 20, §14°, da Lei 8.742/93, in verbis:
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo
Evidente, portanto, que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Assim, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovados, portanto, a situação de miserabilidade e o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Honorários advocatícios fixados em 1% do valor das parcelas vencidas até a data da prolação do acórdão (Súmula nº 111, do STJ).
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
102APELAÇÃO CÍVEL (198)1002440-20.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APARECIDA GOMES FERREIRA LEBARCH
Advogado do(a) APELADO: THATY RAUANI PAGEL ARCANJO - RO10962-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. CRITÉRIO DE MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Em relação ao critério de miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
4. Considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência da parte autora, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
5. Apelação interposta pelo INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos temos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora