
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:GUILHERME SILVA SANTOS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RAMAO WILSON JUNIOR - MT11702-A e KELLI CRISTINA DE OLIVEIRA SOUZA - MT27556/O
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000349-54.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. S. S. e outros
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, em face de sentença que julgou procedente o pedido do benefício de amparo assistencial previsto na Lei nº 8.742/93, com pagamento das parcelas a a partir da data da citação ou do requerimento administrativo, o que se deu primeiro, devendo perdurar até os dezoito anos, momento em que deverá passar por nova avaliação.
O INSS alega que a sentença deve ser reformada ao argumento de que não restou comprovada a deficiência da parte autora e a miserabilidade social, requisitos necessários à concessão do benefício.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000349-54.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. S. S. e outros
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
Cinge-se a controvérsia à verificação da deficiência da parte autora, além da miserabilidade social, necessários à concessão do benefício assistencial.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação".
Cabe destacar que o art. 20, § 2º da LOAS não apresenta qualquer restrição quanto ao tipo de incapacidade, se parcial ou total, temporária ou definitiva. Esse é o entendimento firmado pelo STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
O INSS alega que não terem sido comprovadas a deficiência e miserabilidade social, argumento que não merece prosperar.
Com efeito, o médico perito, no exame realizado em 04/03/2023, atestou que a parte autora é portadora de depressão, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade e transtorno o positivo desafiador. CID: F41.2, F90.0, F91.3. (id. 385231119 - Pág. 107). Afirmou, ainda, que a parte autora apresenta mudanças fisiológicas e possui dificuldade no aprendizado e relacionamento com os colegas no colégio, déficit de atenção e ansiedade.
Embora o laudo médico tenha sido omisso quanto à existência do impedimento de longo prazo, infere-se que tais patologias geram impedimentos, limitações e restringe a participação da parte autora em igualdade de condições com as demais pessoas.
A perícia social realizada em 25/04/2023 esclarece que a parte autora reside com a genitora e com o irmão menor de idade. A renda familiar deriva da venda de produtos “Hinode” pela genitora, tendo um ganho mensal aproximado de R$500,00 (quinhentos reais), além de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) de pensão alimentícia do genitor da parte autora. Informou, ainda, que recebe ajuda de seus familiares com a manutenção das despesas básicas como vestimenta, alimentação e de moradia.
Relatou a genitora do autor que ele precisa realizar tratamento médico adequado com profissional especializado em Neurologia Pediátrica, mas essa consulta é muito demorada, quando solicitada pela regulação do SUS. A consulta particular custa em torno de R$500,00 (quinhentos reais), e a especialista médica mais próxima fica na cidade de Cáceres-MT. Porém, não possui condições financeiras para proporcionar ao filho um tratamento médico adequado e, por isso recorre ao poder judiciário para requerer o Benefício Assistencial.
Por fim, conclui favoravelmente pela concessão do benefício, nos seguintes termos: “Por meio de observações e análise da situação, observei que a família vive em condições boas de moradia. No momento a genitora está desempregada, sendo que suas condições socioeconômicas mantem o mínimo das necessidades básicas da família. Observei que a menor não possuí limitações físicas, é uma criança espontânea. A renda per capita informada não ultrapassa ¼ do salário mínimo.” (id. 385231119 - Pág. 9)
Outrossim, acerca da renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, concluiu que embora a lei tenha estabelecido hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, ainda que a renda familiar per capita ultrapasse ¼ do salário mínimo, devendo o julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.
Logo, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deve ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente.
Importante consignar que fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, a qual incumbe apresentar meios capazes de incutir no julgador a convicção de sua vulnerabilidade social.
Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte autora, notadamente quando se verifica que a renda familiar per capita não ultrapassa ½ salário mínimo.
Dessa forma, estando comprovados os requisitos legais para o restabelecimento do benefício de prestação continuada, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Cabe ressaltar que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício, conforme preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 (STJ) e 810 (STF).
Acrescenta-se, ainda, que, de acordo com precedente do STJ (RESP 201700158919, Relator Min. Herman Benjamin, STJ, segunda turma, Dje 24/04/2017), a matéria relativa a juros e correção monetária é de ordem pública e cognoscível, portanto, de ofício, ficando afastada a tese de reformatio in pejus, bem como restando prejudicado o recurso, nesse ponto.
Mantenho os honorários advocatícios arbitrados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000349-54.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. S. S. e outros
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS. VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DEFICIÊNCIA E DE MISERABILIDADE SOCIAL. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
3. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4. O médico perito, no exame realizado em 04/03/2023, atestou que a parte autora é portadora de depressão, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade e de transtorno o positivo desafiador. CID: F41.2, F90.0, F91.3. (id. 385231119 - Pág. 107). Afirmou, ainda, que a parte autora apresenta mudanças fisiológicas e possui dificuldade no aprendizado e relacionamento com os colegas no colégio, déficit de atenção e ansiedade.
5. Com relação à renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, concluiu que embora a lei tenha estabelecido hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, ainda que a renda familiar per capita ultrapasse ¼ do salário mínimo, devendo o julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.
6. No caso dos autos, a assistente social opinou favoravelmente à concessão do benefício (“Por meio de observações e análise da situação, observei que a família vive em condições boas de moradia. No momento a genitora está desempregada, sendo que suas condições socioeconômicas mantem o mínimo das necessidades básicas da família. Observei que a menor não possuí limitações físicas, é uma criança espontânea. A renda per capita informada não ultrapassa ¼ do salário mínimo.”)
7. Comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
11. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 (STJ) e 810 (STF).
12. Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
13. Apelação do INSS a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA