
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VITORIA CARVALHO DE ALENCAR e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RAFAEL THIAGO DIAS DA SILVA - GO27506
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003889-13.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. C. D. A. e outros
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença que julgou procedente o pedido de benefício de prestação continuada previsto na Lei nº 8.742/93, desde a data do requerimento administrativo (19/12/2020).
Em suas razões, pugna a apelante, para que seja reformada a sentença, para afastar a concessão do benefício em razão do grupo familiar não possuir cadastro no Cadúnico. Subsidiariamente, requer a fixação da DIB na data da sentença em razão do cadastro único estar desatualizado..
Não foram apresentadas contrarrazões.
Em relatório, opina o MP pelo não provimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003889-13.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. C. D. A. e outros
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Mérito
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original, dispunha que a pessoa com deficiência era aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização".
Nesse sentido também é o entendimento do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
No que toca a renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, no sentido de que a lei estabeleceu hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, contudo, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, a exemplo dos benefícios de cunho assistencial previstos nas Leis n. 9.533/1997 e 10.689/2003 e Lei n. 9.533/1997.
Posteriormente, a Suprema Corte, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE firmou entendimento no sentido de que o critério de renda per capita de ¼ do salário-mínimo não é mais aplicável, motivo pelo qual a miserabilidade deverá ser aferida pela análise das circunstâncias concretas do caso analisado.
Assim, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deve ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente.
Importante consignar que fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, a qual incumbe apresentar meios capazes de incutir no julgador a convicção de sua vulnerabilidade social.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 01/12/2012, requereu administrativamente benefício de prestação continuada à pessoa em 09/12/2020, o qual fora indeferido em razão de “falta de inscrição no cadastro único” (ID 401977155- p. 117).
Do estudo socioeconômico (ID 401977155– p. 59), realizado em 11/07/2020, verifica-se que a parte autora reside com seus avós, tia, pai, irmão e três primos. A residência é própria, construída em alvenaria, com três quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro, com piso liso, não é murada e não é forrada. A residência está em bom estado de conservação. Os móveis e eletrodomésticos são simples e apresentam algum tempo de uso. A renda percebida pelo grupo familiar provém da atividade de diarista da tia, que recebendo R$ 400,00, além do auxílio emergencial que foi percebido pela avó, no valor de R$ 1.200,00. As despesas mensais são decorrentes de R$ 700,00 com alimentação, R$90,00 com água, R$ 150,00 com energia, R$ 75,00 com gás.
O perito concluiu que “Através do estudo social realizado, notou-se que a criança Vitoria Carvalho de Alencar necessita do benefício solicitado. Ficou restado que devido as condições que a mesma se encontra, não oportuniza melhorias de vida. Tendo por base as informações levantadas, concluo favorável a concessão do benefício solicitado.”
Ressalte-se que o grupo familiar da parte autora, nos termos do art. 20, §1º da Lei 8.742/1993, é composto por ela, seu genitor e seus irmãos.
Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte autora.
Do laudo médico (ID 401977155, Fls. 94),elaborado em 20/09/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de epilepsia e deficiência mental (CID F 70 e G40). A deficiência da parte autora é irreversível. "Está em estágio moderado. Apresenta atraso no desenvolvimento intelectual, tem dificuldade de aprendizagem, períodos de agitação, agressividade e crises convulsivas esporádicas. Atualmente controlado pois está em uso da medicação". Faz uso continuo de fenoarbital, oxcarbamazepina e anti convulsivantes. Em tratamento desde 2019. Concluiu que a parte autora apresenta deficiência mental e epilepsia.
Por fim, não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado.
Assim, diante das informações constantes na perícia médica e no conjunto probatório, resta comprovado o impedimento.
Por sua vez, quanto à argumentação do INSS no que diz respeito a ausência de inscrição no cadastro único, é o entendimento desta e. Corte que a inscrição no CadÚnico não impede o reconhecimento da situação de vulnerabilidade social. Veja-se:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CADUNICO. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL POR OUTROS MEIOS DE PROVA. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. PERÍCIA MÉDICA. ESTUDO SOCIAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. 2. A apelação do INSS se restringe à alegação de extinção do processo por ausência de inscrição da parte autora no Cadastro de Programas Sociais do Governo Federal - CADUNICO e, ainda, quanto ao termo inicial do benefício. 3. A ausência de comprovação da inscrição da parte autora no CADUNICO não impede o reconhecimento da situação de vulnerabilidade social da parte por outros meios de prova. No caso destes autos, foi colacionado o estudo social, demonstrando a vulnerabilidade social da parte autora, de modo que não há que se falar em ausência de comprovação dos requisitos necessários para a concessão do benefício. 4. Nos termos da Lei n. 8.213/91, artigo 49, I, “b”, o benefício previdenciário vindicado é devido a partir da data do requerimento administrativo, observada a prescrição qüinqüenal. Em caso de ausência de requerimento administrativo, o benefício será devido a contar da citação. (Recurso Especial Representativo de Controvérsia. REsp n. 1369165/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 26/02/2014, DJe 07/03/2014). 5. Correta a sentença também na parte em que fixou o termo inicial desde a data do requerimento administrativo. 6. Honorários de advogado majorados em um ponto percentual sobre o valor arbitrado na origem, conforme previsão do art. 85, §11, do CPC. 7. Apelação do INSS desprovida.
(AC 1007148-84.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 11/07/2023 PAG.)
Dessa forma, estão comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência.
Cabe ressaltar que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício, conforme preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993.
Mantenho os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003889-13.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. C. D. A. e outros
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO ÚNICO. ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1.O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. A avaliação da deficiência terá como escopo concluir se dela decorre incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Conforme Súmula nº 48 da TNU, o conceito de deficiência não se confunde, necessariamente, com incapacidade laborativa, devendo ser avaliado se o impedimento de longo prazo impossibilita ou não que a pessoa concorra em igualdade de condições com as demais pessoas.
3. Aduz a apelante que a ausência de inscrição no cadastro único ensejou a negativa administrativa, por cuidar-se, em seu entender, de requisito para concessão do benefício.
4. O entendimento desta e. Corte é que a ausência de comprovação de inscrição no cadastro único, não impede o reconhecimento da situação de vulnerabilidade por outros meios de prova. AC 1007148-84.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 11/07/2023 PAG
5. Do estudo socioeconômico (ID 401977155– p. 59), realizado em 11/07/2020, verifica-se que a parte autora reside com seus avós, tia, pai, irmão e três primos. A renda percebida pelo grupo familiar provém da atividade de diarista da tia, que recebendo R$ 400,00, além do auxílio emergencial que auferido pela avó, no valor de R$ 1.200,00. O perito concluiu pela vulnerabilidade social da apelada.
6. Do laudo médico (ID 401977155, Fls. 94),elaborado em 20/09/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de epilepsia e deficiência mental (CID F 70 e G40). A deficiência da parte autora é irreversível. "Está em estágio moderado. Apresenta atraso no desenvolvimento intelectual, tem dificuldade de aprendizagem, períodos de agitação, agressividade e crises convulsivas esporádicas. Atualmente controlado pois está em uso da medicação".
7. Atendidos os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício assistencial em exame.
8. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
9. Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
10. Apelação do INSS a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA