
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:SOPHIA VITORIA SANTOS DE OLIVEIRA DEFANTE e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ANIELA KENSY KUSIACK - MT18479-A
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1025690-53.2022.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: S. V. S. D. O. D. e outros
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93, com termo inicial em 31/10/2018.
O INSS, em suas razões recursais, pugna pela reforma do julgado aduzindo que a parte autora não preenche os requisitos necessários para concessão do benefício pleiteado, ante a não realização de perícia médica presencial.
Parecer do MPF opinando pela manutenção da sentença.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1025690-53.2022.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: S. V. S. D. O. D. e outros
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização".
Nesse sentido também é o entendimento do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
No que toca a renda familiar per capita, o Plenário do STF manifestou-se, por ocasião da ADIN n. 1.232-1/DF, no sentido de que a lei estabeleceu hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, contudo, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição. Para tal, cite-se outros benefícios de cunho assistencial instituídos posteriormente com critério objetivo de renda familiar per capita inferior a 1/2 do salário-mínimo (Lei nº 10.689/2003 e Lei n. 9.533/1997).
Quanto à aferição da miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação nº 4374/PE sinalizou compreensão no sentido de que o critério de renda per capita de ¼ do salário-mínimo não é mais aplicável, motivo pelo qual a miserabilidade deverá ser aferida pela análise das circunstâncias concretas do caso analisado.
Nessa linha, a jurisprudência pátria entende que, do mesmo modo em que o benefício assistencial pago a um integrante da família não deve ser considerado para fins de renda per capita, nos termos do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003, os benefícios previdenciários de até um salário-mínimo, pagos a pessoa maior de 65 anos, também não deverão ser considerados (REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015 – Tema 640).
Assim, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deva ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente.
Importante consignar que fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, mediante a apresentação de prova idônea.
A controvérsia dos autos cinge-se à verificação da comprovação da deficiência da parte autora.
Do laudo médico (ID 257841549 – p. 55), elaborado em 24/09/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de microcefalia (CI 10 – Q02), síndrome epiléptica (CID 10 – G40.4) e retardo do desenvolvimento fisiológico normal (CID 10 – 62.9). Relata o expert que a parte autora possui impedimento de longo prazo, que ela possui dificuldade aprendizagem, fala, desenvolvimento motor e que sua incapacidade é total e permanente. A conclusão foi realizada com base na anamnese, exame clínico, laudos, exames e consulta da literatura.
O INSS alega que “A perícia por videochamada não pode ser considerada válida com fundamento nas orientações técnicas e éticas do Conselho Federal de Medicina e do Instituto Brasileiro de Perícias Médicas, e em observância ao Código de Ética Médica”.
Não merece prosperar a alegação do INSS, uma vez que a realização de teleperícia na pandemia do Coronavírus foi autorizada pelo CNJ.
Nesse sentido, entendimento desta e. Corte:
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. INCAPACIDADE LABORATIVA EVIDENCIADA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença procedente em pleito de concessão de benefício de aposentadoria por invalidez, desde a cessação administrativa do benefício de auxílio temporário por incapacidade em 30/10/2017. Pugna o INSS, em sede de apelação, pela reforma da sentença de mérito ante a ausência de comprovação da incapacidade laborativa tendo em vista a ausência de perícia presencial, ao argumento de que a perícia por videochamada não pode ser considerada válida com fundamento nas orientações técnicas e éticas do Conselho Federal de Medicina e do Instituto Brasileiro de Perícias Médica. 2. O benefício previdenciário de auxílio temporário por incapacidade na linha do quanto prevê o artigo 59 da Lei n. 8.213/91, será devido ao segurado que, atendida, conforme o caso, a carência de doze contribuições mensais, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. A aposentadoria por incapacidade permanente, por seu turno, que reclama o mesmo número de contribuições mensais a título de carência, será concedida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio temporário por incapacidade, for declarado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade laborativa, mantendo-se o respectivo pagamento enquanto perdurar tais condições (artigo 42 da Lei n. 8.213/91). 3. Incontroversa a qualidade de segurada da autora considerando que foi beneficiária de auxílio temporário por incapacidade até 30/10/2017. 4. Quanto à sua incapacidade, segundo informado pela perícia médica realizada por expert nomeado pelo juízo do feito, a autora (63 anos, nascida em 21/11/1959, atualmente desempregada) é portadora de Neoplasia benigna de osso e cartilagem articular (CID D16) e sequelas (CID T93.8), com incapacidade total e permanente para as atividades laborativas, desde o ano de 2016. Atesta o perito que a apelada apresenta limitação física para realizar atividades que exijam força e movimentação do quadril e membro inferior direito, sem possibilidade de recuperação. 5. Por fim, não havendo demonstração específica de que, no caso concreto, somente o exame pessoal do paciente pelo expert permitiria a verificação da incapacidade, não há motivo para declaração da nulidade da perícia. O Conselho Nacional de Justiça autorizou a realização de teleperícia nos processos de benefícios por incapacidade e assistenciais, consoante disposto na Resolução nº 317/2020 do CNJ e tinha validade enquanto perdurou a pandemia do Coronavírus. Estando bem fundamentada a perícia, como no caso dos autos, nada justifica a sua anulação. 6. Eventual questionamento acerca dos valores das parcelas retroativas devidas do benefício concedido deverá ser aventado em sede de execução. 7. Não obstante, deve ser corrigida a sentença apenas quanto ao regime de cálculos para determinar a incidência do Manual de cálculos da justiça federal, que deverá sempre observar sua versão mais atualizada, haja vista que este contempla o quanto decidido pelo STF no julgamento do RE 870.947, vinculado ao tema da Repercussão Geral n.º 810, que transitou em julgado em 03/03/2020. 8. Honorários advocatícios majorados para 11% (onze por cento) sobre o valor da condenação, conforme Súmula 111 do STJ. 9. Apelação do INSS a que se nega provimento. Sentença que se mantém em seus próprios fundamentos. Sistemática de cálculos alterada de ofício.
(AC 1019363-29.2021.4.01.9999, JUÍZA FEDERAL RENATA MESQUITA RIBEIRO QUADROS, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, PJe 20/03/2023 PAG.)
Dessa forma, comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Cabe ressaltar que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício, conforme preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
Mantenho os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1025690-53.2022.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: S. V. S. D. O. D. e outros
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
3. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4. Do laudo médico (ID 257841549 – p. 55), elaborado em 24/09/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de microcefalia (CI 10 – Q02), síndrome epiléptica (CID 10 – G40.4) e retardo do desenvolvimento fisiológico normal (CID 10 – 62.9). Relata o expert que a parte autora possui impedimento de longo prazo, que ela possui dificuldade aprendizagem, fala, desenvolvimento motor e que sua incapacidade é total e permanente. A conclusão foi realizada com base na anamnese, exame clínico, laudos, exames e consulta da literatura.
5. O INSS alega que “A perícia por videochamada não pode ser considerada válida com fundamento nas orientações técnicas e éticas do Conselho Federal de Medicina e do Instituto Brasileiro de Perícias Médicas, e em observância ao Código de Ética Médica”. Não merece prosperar a alegação do INSS, uma vez que a realização de teleperícia na pandemia do Coronavírus foi autorizada pelo CNJ (Resolução nº 317/2020).
6. Atendidos os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício assistencial em exame.
7. Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
8. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
9. Apelação do INSS a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA