
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES BISPO DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: LEANDRO BICHOFFE DE OLIVEIRA - GO27505-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1024103-59.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5247048-23.2017.8.09.0143
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS de sentença pela qual o juízo a quo acolheu a pretensão central deduzida em juízo, condenando a autarquia previdenciária a conceder à parte autora o benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência (Lei n. 8.742/93), com o devido pagamento das parcelas correlatas (Id n. 381969161– p. 185-189).
Em suas razões recursais, postula o INSS a reforma meritória da sentença, aduzindo, essencialmente, que não foram integralmente satisfeitos os requisitos para a concessão do mencionado benefício assistencial (Id n. 381969161– p. 212-221).
Contrarrazões apresentadas (Id n. 381969161– p. 224-226).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1024103-59.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5247048-23.2017.8.09.0143
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
O juízo a quo deferiu à parte autora o benefício de amparo assistencial.
Remessa necessária
Considerando a nova sistemática instituída pelo novo Codex de Direito Adjetivo Civil, em que o legislador optou por restringir as hipóteses de remessa oficial, a sentença, proferida sob a égide do CPC/15, não está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do artigo 496, § 3º, I, do referido diploma legal, tendo em vista que a condenação imposta ao INSS não tem o potencial de ultrapassar 1.000 (mil) salários mínimos.
Mérito
A questão em apreço trata da verificação da existência do direito da parte autora à percepção do benefício de prestação continuada estabelecido pelo art. 203 da CRFB/88.
A Lei n. 8.742/93 trouxe, em seu art. 20, os critérios para a concessão do citado benefício, nos seguintes termos:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”
Na sequência, o § 4º do art. 20 da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei n. 14.691/23, estipula que o benefício de amparo assistencial não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
Quanto à incapacidade
Laudo pericial: constatou que a parte autora – que, à época do exame, possuía 51 (cinquenta e um) anos de idade – encontra-se total e permanentemente incapacitada para desenvolver quaisquer atividades laborais, sem perspectiva de recuperação e de reabilitação profissional, em razão de transtorno do disco intervertebral com radiculopatia (M51.1), espondilose lombar (M47), gonartrose (M17), esporão do calcâneo (M77.3) e insuficiência venosa dos membros inferiores (I87.2) (Id n. 381969161 – p. 167-170).
Quanto ao ponto, destaca-se que "a incapacidade para a vida independente deve ser entendida não como falta de condições para as atividades mínimas do dia a dia, mas como a ausência de meios de subsistência, visto sob um aspecto econômico, refletindo na possibilidade de acesso a uma fonte de renda" (AC 0005666-45.2000.4.01.4000 / PI, rel. Juiz Federal José Alexandre Franco, 2ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.254 de 4/10/2012).
Assim, está incapacitada a pessoa que não tem condições de se autodeterminar completamente ou que depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de terceiros para viver com dignidade.
Deve-se consignar, por importante, que a incapacidade há ser aferida considerando-se as condições pessoais da parte autora e as atividades que poderiam ser por ela desempenhadas.
Renda per capita e aferição da condição de miserabilidade
No julgamento dos Recursos Extraordinários n. 567985 e 580963, e da Reclamação n. 4374, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93, no que se refere à sobredita renda per capita.
Deveras, diante da constatação de que uma nova conjuntura normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, a Corte Suprema fixou a compreensão de que o parâmetro previsto pelo prefalado art. 20, § 3º, da LOAS não é mais servil à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção da prestação em questão, daí por que não pode ser ele invocado como argumento para o seu indeferimento.
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou, sob a sistemática dos recursos repetitivos (tema n. 185), a seguinte tese: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”.
Em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, este Tribunal Regional Federal reconhece que o patamar legal de um quarto do salário mínimo corresponde a padrão mínimo para reconhecimento da miserabilidade, sendo que a carência econômica pode ser aferida no caso concreto por critérios diversos, ainda que superado tal patamar:
“CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. QUESTÃO DE ORDEM. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO ANTERIOR. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA FÍSICA E/OU MENTAL. PERÍCIA MÉDICA. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE. ESTUDO SOCIOECONÔMICO. HIPOSSUFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. INCAPACIDADE POSTERIOR AO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CITAÇÃO.
1. Questão de ordem acolhida para anular o julgamento proferido por esta Segunda Turma (fls. 218/219), eis que, naquela oportunidade, foram julgados apenas o recurso de apelação e a remessa oficial, tendo em conta que o recurso adesivo, tempestivamente protocolado no juízo de origem, foi juntado posteriormente aos autos (fls. 247/249).
2. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, e a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) garantem um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.
3. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) o requerente deve ser portador de deficiência ou ser idoso com 65 anos ou mais; ii) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e iii) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
4. O Col. STF, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, declarou que a regra constante do art. 20, § 3º, da LOAS não contempla a única hipótese de concessão do benefício, e sim presunção objetiva de miserabilidade, de forma a admitir a análise da necessidade assistencial em cada caso concreto, mesmo que o "quantum" da renda "per capita" ultrapasse o valor de ¼ do salário mínimo, cabendo ao julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.
5. Também o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, consagrou a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade do beneficiário por outros meios de prova, quando a renda per capita do núcleo familiar for superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Nesse sentido, cf. REsp 1.112.557/MG, Terceira Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/11/2009.
6. Firmou-se o entendimento jurisprudencial de que, para fins de cálculo da renda familiar mensal, não deve ser considerado o benefício (mesmo que de natureza previdenciária) que já venha sendo pago a algum membro da família, desde que seja de apenas 1 (um) salário mínimo, forte na aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Precedentes.
7. Considera-se deficiente aquela pessoa que apresenta impedimentos (físico, mental, intelectual ou sensorial) de longo prazo (mínimo de 2 anos) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tal deficiência e o grau de impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, consoante o § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
8. Na hipótese, a incapacidade laborativa da parte autora para prover o seu sustento restou comprovada pelo laudo médico acostado; já a condição de miserabilidade, nos termos alinhavados acima, encontra-se escudada no estudo socioeconômico e documentos catalogados ao feito, autorizando, assim, a concessão do benefício vindicado.
9. Na hipótese de o perito não fixar a data de início da incapacidade laborativa, o termo inicial do benefício será a data do requerimento administrativo. Não havendo requerimento, será a data da citação do INSS. In casu, tendo o laudo judicial destacado que o início da incapacidade remonta a setembro de 2006 (quesito 09 - fls. 90), incabível a concessão de benefício por invalidez à data do requerimento administrativo (16.09.2003), como pretende o recorrente, por ser data anterior à fixada pelo expert, não havendo conjunto probatório suficiente para afastar a conclusão pericial acerca do início da incapacidade. Acertada a sentença ao fixar a data da citação como termo inicial do benefício, por ser este o momento em que o INSS teve ciência da incapacidade do recorrente.
10. Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
11. Acórdão de fls. 218/219 anulado. Apelação, remessa oficial, tida por interposta, e recurso adesivo desprovidos.”
(TRF-1ª Região, 2ª Turma, AC n. 0014219-47.2013.4.01.9199, Relator Desembargador Federal João Luiz de Souza, e-DJF1 27/05/2019) (grifos nossos)
Nos termos do art. 20, § 1º, da Lei n. 8.742/93, com redação dada pela Lei n. 12.435/11, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Laudo socioeconômico: deixou claro que a parte requerente, total e permanentemente incapacitada para o desempenho de quaisquer atividades laborais, necessita do benefício pleiteado, na medida em que vive em moradia cedida e insuficiente para o atendimento de suas necessidades básicas (conforme se depreende das fotografias anexas ao laudo), com renda mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais), proveniente de benefício do então Programa Auxílio Brasil (Id n. 381969161 – p. 149-151).
Quanto ao ponto, em suas razões recursais, o INSS destaca que o outro integrante do núcleo familiar da parte autora – Manuel Bonfim Fiuza de Lima, mencionado no estudo socioeconômico como seu “amigo”, sem maiores considerações sobre essa circunstância – é titular de benefício previdenciário em valor ligeiramente superior a 1 (um) salário mínimo, mais especificamente, aposentadoria por incapacidade permanente de R$ 1.518,57 (mil quinhentos e dezoito reais e cinquenta e sete centavos).
Sendo assim, em razão do que estipula o § 14 do art. 20 da Lei n. 8.742/93, como o benefício previdenciário anteriormente referido é de valor superior a 1 (um) salário mínimo, não poderia ser desconsiderado para fins de cálculo da renda familiar mensal per capita a que se refere o § 3º do mesmo dispositivo legal e, por conseguinte, no caso sob exame, não se teria preenchido o requisito econômico para a concessão do benefício de prestação continuada, na medida em que a renda familiar mensal per capita superaria o patamar legal de 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Sucede, porém, que, em conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores mencionada anteriormente, o critério objetivo de renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo não é o único instrumento de averiguação da situação de miserabilidade para fins de concessão do benefício de prestação continuada, que também pode ser identificada a partir de outros dados e circunstâncias do caso, com a devida fundamentação pelo órgão julgador.
Nessa linha de raciocínio, ainda que se considere que o beneficiário da aposentadoria por incapacidade permanente em valor ligeiramente superior a 1 (um) salário mínimo efetivamente integra o núcleo familiar da parte requerente, bem como que o seu benefício previdenciário deve ser computado no cálculo da renda familiar mensal per capita a que se refere o § 3º do art. 20 da LOAS, tem-se que, em razão das constatações feitas pelo assistente social por ocasião da avaliação socioeconômica do caso, a renda mensal auferida pela unidade familiar é insuficiente para arcar com as despesas básicas e com os medicamentos necessários em virtude da condição da parte autora, assegurando-lhe o mínimo existencial.
Diante desse panorama, na situação sob exame nestes autos, constata-se a presença dos pressupostos legais para a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida.
No que é acessório:
a) O termo inicial do benefício, assim como os efeitos financeiros da condenação, deve ser fixado a partir da data do requerimento administrativo, quando houver, conforme o entendimento do e. STJ, respeitada a prescrição quinquenal.
b) Tendo em vista a tese fixada pelo STF, sob a sistemática da repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 870.947/SE (tema n. 810), ocasião em que a maioria dos Ministros da Corte Suprema entendeu pelo afastamento da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a correção monetária deverá adotar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), mesmo para o período anterior à expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, considerando que tal índice foi eleito o mais adequado para recomposição do poder de compra. Quanto aos juros de mora, deverão ser observados os índices da remuneração da poupança, em conformidade com o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09.
c) Honorários advocatícios majorados em 2% (dois por cento) sobre o valor originalmente arbitrado, nos termos do art. 85, § 11, do CPC e em conformidade com o enunciado 111 da Súmula do STJ.
d) Nas causas ajuizadas perante a Justiça Federal, o INSS está isento de custas (inclusive despesas com oficial de justiça) por força do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96. A isenção se repete nos Estados onde houver lei estadual assim prescrevendo, a exemplo do que ocorre em Estados como Acre, Tocantins, Minas Gerais, Goiás, Rondônia e Piauí.
e) Em se tratando de verba alimentar e porque fortes os elementos evidenciadores da probabilidade do reconhecimento definitivo do direito postulado (art. 300 do CPC), é de ser deferida a tutela provisória de urgência para que seja imediatamente implantado o benefício buscado (caso já não o tenha sido por ordem da instância a quo).
Assim, na hipótese de não ter sido ainda implantado o benefício, deve o INSS adotar tal providência no prazo de 30 (trinta) dias contados de sua intimação do presente comando.
Em qualquer das hipóteses anteriores fica expressamente afastada a fixação prévia de multa, sanção esta que somente é aplicável na hipótese de efetivo descumprimento reiterado do comando relativo à implantação do benefício.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1024103-59.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5247048-23.2017.8.09.0143
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES BISPO DOS SANTOS
E M E N T A
ASSISTENCIAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CRFB/88. LEI 8.742/93. REQUISITOS CUMPRIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. A Lei n. 8.742/93 trouxe, em seu art. 20, os critérios para a concessão do benefício assistencial/LOAS, nos seguintes termos: “O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (redação dada pela Lei n.º 12.435, de 2011).
2. Na situação sob exame nos autos, o laudo pericial constatou que a parte autora – que, à época do exame, possuía 51 (cinquenta e um) anos de idade – encontra-se total e permanentemente incapacitada para desenvolver quaisquer atividades laborais, sem perspectiva de recuperação e de reabilitação profissional, em razão de transtorno do disco intervertebral com radiculopatia (M51.1), espondilose lombar (M47), gonartrose (M17), esporão do calcâneo (M77.3) e insuficiência venosa dos membros inferiores (I87.2).
3. Por outro lado, o laudo socioeconômico deixou claro que a parte requerente, total e permanentemente incapacitada para o desempenho de quaisquer atividades laborais, necessita do benefício pleiteado, na medida em que vive em moradia cedida e insuficiente para o atendimento de suas necessidades básicas – conforme se depreende das fotografias anexas ao laudo –, com renda mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais), proveniente de benefício do então Programa Auxílio Brasil.
4. O laudo pericial produzido permite concluir que a parte autora possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Na mesma toada, o laudo socioeconômico confirma a condição de miserabilidade justificadora do deferimento do benefício assistencial em exame
5. Em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF, Tribunal Pleno, RE n. 567.985 e 580.963; STJ, 3ª Seção, REsp n. 1.112.557/MG, Tema Repetitivo n. 185), este Tribunal Regional Federal reconhece que o patamar legal de um quarto do salário mínimo corresponde a padrão mínimo para reconhecimento da miserabilidade, sendo que a carência econômica pode ser aferida no caso concreto por critérios diversos, ainda que superado tal patamar (TRF-1ª Região, 2ª Turma, AC n. 0014219-47.2013.4.01.9199, Relator Desembargador Federal João Luiz de Souza, e-DJF1 27/05/2019).
6. Quanto ao ponto, em suas razões recursais, o INSS destaca que o outro integrante do núcleo familiar da parte autora (mencionado no estudo socioeconômico como seu “amigo”, sem maiores considerações sobre essa circunstância) é titular de benefício previdenciário em valor ligeiramente superior a 1 (um) salário mínimo, mais especificamente, aposentadoria por incapacidade permanente de R$ 1.518,57 (mil quinhentos e dezoito reais e cinquenta e sete centavos). Sendo assim, em razão do que estipula o § 14 do art. 20 da Lei n. 8.742/93, como o benefício previdenciário anteriormente referido é de valor superior a 1 (um) salário mínimo, não poderia ser desconsiderado para fins de cálculo da renda familiar mensal per capita a que se refere o § 3º do mesmo dispositivo legal e, por conseguinte, não se teria preenchido, no caso sob exame, o requisito econômico para a concessão do benefício de prestação continuada, na medida em que a renda familiar mensal per capita superaria o patamar legal de 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
7. Sucede, porém, que, em conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores mencionada anteriormente, o critério objetivo de renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo não é o único instrumento de constatação da situação de miserabilidade para fins de concessão do benefício de prestação continuada, que também pode ser aferida a partir de outros dados e circunstâncias do caso, com a devida fundamentação pelo órgão julgador. Nessa linha de raciocínio, ainda que se considere que o beneficiário da aposentadoria por incapacidade permanente em valor ligeiramente superior a 1 (um) salário mínimo efetivamente integra o núcleo familiar da parte requerente, bem como que o seu benefício previdenciário deve ser computado no cálculo da renda familiar mensal per capita a que se refere o § 3º do art. 20 da LOAS, tem-se que, em razão das constatações feitas pelo assistente social por ocasião da avaliação socioeconômica do caso, a renda mensal auferida pela unidade familiar é insuficiente para arcar com as despesas básicas e com os medicamentos necessários em virtude da condição da parte autora, assegurando-lhe o mínimo existencial.
8. Presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, pois comprovado que a parte requerente é deficiente e não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
9. Consectários da condenação fixados de acordo com o entendimento jurisprudencial da Segunda Turma desta Corte Regional Federal.
10. Apelação do INSS não provida.
11. Honorários advocatícios majorados em 2% (dois por cento) sobre o valor originalmente arbitrado, nos termos do art. 85, § 11, do CPC e em conformidade com o enunciado 11 da Súmula do STJ.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, nos termos do voto do relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator