
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S e FELIPE VIEIRA SOUTO - TO6259-A
POLO PASSIVO:JOSIMAR FERREIRA DE ALMEIDA e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S e FELIPE VIEIRA SOUTO - TO6259-A
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000855-02.2017.4.01.4300
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Tratam-se de recursos de apelação interpostos pelo INSS e pelo autor contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de Josimar Ferreira de Almeida para reconhecimento de tempo especial e conversão em tempo comum, homologando o período de 11/05/1987 a 05/03/1997 como especial.
O autor pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde 19/01/2017, argumentando que laborou em condições especiais no período de 11/05/1987 a 31/12/2008, o que, se reconhecido, totalizaria 37 anos, 27 meses e 96 dias de contribuição.
A sentença considerou especial apenas o período de 11/05/1987 a 05/03/1997, resultando em um tempo de contribuição de 34 anos, 10 meses e 2 dias, insuficiente para a concessão do benefício. O autor embargou a sentença e apelou, defendendo a caracterização de todo o período alegado como especial, com base em exposição habitual e permanente a agentes nocivos, corroborada por laudo técnico que atesta a natureza indissociável dos riscos à atividade desenvolvida.
O INSS, por sua vez, apela sustentando que a sentença incorreu em erro ao reconhecer o período como especial com base em exposição ocasional e intermitente a ruído, avaliação feita por profissional inadequado, e requer a reforma total da sentença, com a improcedência do pedido do autor.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000855-02.2017.4.01.4300
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação do INSS no duplo efeito.
O cerne da controvérsia trazida à análise concerne à aferição do enquadramento de tempo de serviço especial para fins de concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria especial.
Cumpre destacar que a consideração do tempo de serviço como especial deve ser feita de acordo com a legislação vigente à época da prestação do serviço, e não da data em que perfeitas todas as condições para a aposentadoria, tal como disposto no § 1º, art. 70, do Decreto nº 3.048/99, com redação do Decreto nº 4.827/03.
Esse é o entendimento consagrado por esta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO LABORADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CALOR. POEIRA DE SÍLICA. RUÍDO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. EPI. CÔMPUTO DO TEMPO EM GOZO DO BENEFÍCIO AUXÍLIO-DOENÇA COMO ESPECIAL. EC 20/98. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
1.A questão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso resta prejudicada, uma vez que não concedido até esta data, não há utilidade na sua apreciação neste momento processual, uma vez que não cabe recurso com efeito suspensivo a partir deste julgado.
2. O cômputo do tempo de serviço prestado em condições especiais deve observar a legislação vigente à época da prestação laboral, tal como disposto no § 1º do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 4.827/03.
3.O impetrante exercia atividade de operador de lingotamento em indústria metalúrgica, categoria profissional que estava inserida no código 2.5.1 do Quadro Anexo II do Decreto nº 83.080/79, sendo considerada de natureza insalubre por presunção legal até o advento da Lei 9.532/95.
4. Os formulários acostados aos autos comprovaram ainda a exposição do impetrante ao agente agressivo calor em uma intensidade acima dos limites de tolerância estabelecidos no código 1.1.1 do quadro anexo do Decreto nº 53.831/64 e pela NR-15 da Portaria nº 3.214/78, nos termos do código 2.0.4 dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/98, além da exposição ao agente poeira de sílica, com enquadramento no código 1.2.10, do Quadro anexo do Decreto 53.831/64 e no código 2.3.1, Anexo II, do Decreto nº 83.080/79.
5.Considera-se especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até 05/03/97 (Súmula nº 29 da AGU), e, a partir de então, acima de 85 decibéis, desde que aferidos esses níveis de pressão sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.
6.Para configuração da especialidade da atividade, não é necessário que o trabalhador permaneça exposto ao nível máximo de ruído aludido na legislação durante toda a sua jornada de trabalho.
7.A utilização de equipamentos de proteção individual não descaracteriza a atividade prestada sob condições especiais, pois seu uso não significa que estejam erradicadas as condições adversas que justificam a contagem de tempo de maneira específica, prestando-se tão somente a amenizar ou reduzir os danos delas decorrentes.
8.O período em gozo do benefício previdenciário de auxílio-doença, deve ser computado como tempo especial, tendo em vista que antes e depois da concessão do benefício, o impetrante laborou em condições especiais.
9.O segurado que implementou o tempo de contribuição necessário para obtenção da aposentadoria integral ou especial não se submete às regras de transição.
10. Apelação desprovida. Remessa oficial, tida por interposta, parcialmente provida.
(Numeração Única: 0004403-44.2006.4.01.3813; AMS 2006.38.13.004409-3 / MG; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA; Relator JUIZ FEDERAL GUILHERME MENDONÇA DOEHLER; Órgão 3ª TURMA SUPLEMENTAR; Publicação 31/05/2012 e-DJF1 P. 254)
Em relação à época em que vigiam os Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79, para a comprovação do efetivo trabalho em atividade tida como perigosa, insalubre ou penosa, bastava que a categoria profissional a que pertencia o trabalhador se enquadrasse no rol constante nos anexos que integravam referidos diplomas, ressalvada a hipótese referente ao agente insalubre “ruído”, que sempre exigiu laudo pericial.
Na sequência, a Lei n. 9.032/95, publicada em 29.04.1995, passou a exigir a demonstração da especialidade da atividade, através dos formulários SB-40 e DSS 8030, o que persistiu até a edição da Medida Provisória 1.523/96, de 14.10.1996, convertida na Lei n. 9.528/97, de 11.12.1997, a partir de quando começou a ser exigida, obrigatoriamente, a comprovação da condição especial por meio de laudo técnico assinado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Nesse contexto, nas hipóteses de tempo de serviço prestado após 29/04/95, deve o trabalhador comprovar a exposição permanente, não ocasional e nem intermitente aos agentes prejudiciais à saúde.
Saliente-se que a exigência legal da permanência, habitualidade ou não intermitência da exposição aos agentes agressivos à saúde do trabalhador somente alcança o tempo de serviço prestado após a entrada em vigor da Lei nº 9.032/95. De qualquer maneira, a constatação do caráter permanente da atividade especial não exige que o trabalho desempenhado pelo segurado esteja ininterruptamente submetido a um risco para a sua incolumidade.
O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo do artigo 543-C do CPC/73, então vigente, decidiu que o fato de o Decreto 2.172/97 não prever explicitamente o agente nocivo eletricidade não afasta o direito ao reconhecimento do tempo de serviço laborado sob essa condição de periculosidade após sua vigência, pois o rol ali contido não é exaustivo.
Confira-se:
“RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE ELETRICIDADE. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997 (ANEXO IV). ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. SUPORTE TÉCNICO MÉDICO E JURÍDICO. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE (ART. 57, § 3º, DA LEI 8.213/1991).
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com o escopo de prevalecer a tese de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV) culmina na impossibilidade de configuração como tempo especial (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991) de tal hipótese a partir da vigência do citado ato normativo.
2. À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). Precedentes do STJ.
3. No caso concreto, o Tribunal de origem embasou-se em elementos técnicos (laudo pericial) e na legislação trabalhista para reputar como especial o trabalho exercido pelo recorrido, por consequência da exposição habitual à eletricidade, o que está de acordo com o entendimento fixado pelo STJ.
4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.”
( REsp 1306113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013)
Com relação à conversão do tempo de serviço especial em comum, a jurisprudência mais recente do STJ permite tal transmudação, inclusive após 28/05/98 (REsp 956110/SP).
Por outro lado, em se tratando de conversão do tempo de serviço comum em especial, para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo do artigo 543-C do CPC/73, então vigente, decidiu que “para que o segurado faça jus à conversão de tempo de serviço comum em especial, é necessário que ele tenha reunido os requisitos para o benefício pretendido antes da Lei n. 9.032/95, de 28/4/95, independentemente do momento em que foi prestado o serviço.” ( EDcl no REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 02/02/2015).
Quanto ao uso de equipamento de proteção individual ou coletiva pelo segurado, registre-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário ARE n. 664.335, com repercussão geral reconhecida, decidiu que a utilização de EPI descaracteriza o labor exercido em condições especiais, desde que comprovada a real eficácia dos equipamentos de proteção, neutralizando a nocividade do agente. Em relação ao agente físico ruído, decidiu que a utilização de EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, eis que a potência do som “causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas”. (ARE 664335, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno – STF, julgado em 04/12/2014, DJe-029 de 12/02/2015), conclusão esta que se afigura ainda mais acertada com relação à exposição elétrica, dada a sua maior gravosidade.
Confira-se:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88).
2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade - Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da Republica, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88).
3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da Republica, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos"casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar".
4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo.
5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998.
6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores.
8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física ( CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador.
9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em 'condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física'.
10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.
12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.
14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário."
(ARE 664335, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno – STF, julgado em 04/12/2014, DJe-029 de 12/02/2015) Destaquei
No caso concreto, tratam-se de recursos de apelação interpostos pelo INSS e pelo autor contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de Josimar Ferreira de Almeida para reconhecimento de tempo especial e conversão em tempo comum, homologando o período de 11/05/1987 a 05/03/1997 como especial.
O autor pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde 19/01/2017, alegando que laborou em condições especiais de 11/05/1987 a 31/12/2008, o que, se reconhecido, totalizaria 37 anos, 27 meses e 96 dias de contribuição. No entanto, o INSS reconheceu apenas 22 anos, 05 meses e 17 dias de tempo de contribuição, não contabilizando o período alegado como especial.
A questão central consiste em verificar se os documentos apresentados são suficientes para reconhecer, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, os períodos laborados pelo autor, que foram desconsiderados pelo INSS.
Além disso, o autor afirma ter trabalhado entre 11/05/1987 e 31/10/2008 em atividades de risco, exposto a fatores físicos e químicos, incluindo ruído de 94,6 dB(A). Esse período não foi considerado como especial pelo INSS, e o autor solicita seu reconhecimento e conversão em tempo comum.
Inicialmente, com relação ao documento de Id 4602649 (pág. 6/7), são incontroversos os seguintes períodos reconhecidos pelo INSS:
01/03/1980 a 14/04/1980 na empresa Vasconcelos e Rosan LTDA (1 mês e 14 dias)
03/02/1982 a 14/04/1983 no Serviço Militar/Ministério da Defesa (1 ano, 2 meses e 12 dias)
11/05/1987 a 31/10/2008 na empresa Vicente Mashahiro Okamoto (21 anos, 5 meses e 20 dias)
Com relação ao tempo trabalhado na Prefeitura de Mateiros/TO, de 01/01/2009 a 31/12/2012, como prefeito, e de 05/01/2015 a 31/12/2016, como secretário municipal, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.213/91, o requerente é considerado empregado para efeitos previdenciários, visto que, no primeiro caso, ocupava cargo eletivo e não pertencia ao RPPS.
Nesse caso, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias é do empregador, ou seja, da Prefeitura de Mateiros/TO. Analisando os autos, observa-se que a parte autora apresentou, além das Certidões de Tempo de Contribuição de Id 3244854 (pág. 18/26) e Id 3245031 (pág. 1/5), também Declarações ao FGTS e à Previdência Social, comprovando o vínculo e a idoneidade para computo como Tempo de Contribuição, motivo pelo qual deve ser reconhecido.
O PPP de Id. 3244836 (pág. 20/21) indica que as funções desempenhadas pelo autor não podem ser consideradas de natureza especial, devido à ausência dos requisitos de habitualidade quanto à exposição aos agentes nocivos. O autor, atuando como técnico agrícola de 11/05/1987 a 31/10/2008, teve contato apenas ocasional e intermitente com tais agentes, o que impede o reconhecimento de todo o período como especial.
No entanto, até 1997, a classificação do trabalho especial era feita por categoria profissional, o que gerava, à época, “presunção absoluta de exposição”. Especificamente para exposição ao agente ruído (código 1.1.6 do Anexo ao Decreto n. 53.831/64), os Decretos ns. 357/91 e 611/92 mantiveram, até a edição do Decreto 2.172/97, a aplicação dos anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Portanto, é inquestionável a possibilidade de enquadramento como trabalho sujeito a condições especiais até 05/03/97, para atividades exercidas com exposição a ruído.
O Superior Tribunal de Justiça já estabeleceu, em regime de recurso repetitivo, que a configuração da natureza do tempo de serviço deve observar a lei vigente no momento da prestação do labor, enquanto a sua conversão deve seguir as regras vigentes por ocasião do preenchimento das condições da aposentadoria, independentemente do regime jurídico vigente à época da prestação do serviço (STJ, REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19/12/2012).
Assim, o período de 11/05/1987 a 05/03/1997, reconhecido como de natureza especial, deve ser convertido em tempo comum. Com o advento do Decreto nº 4.827/2003, que inseriu o § 2º no art. 70 do Regulamento da Previdência Social, passou-se a admitir a conversão de tempo especial em comum a qualquer tempo. Nesse caso, considerando que a atividade com exposição a ruído exige 25 anos para aposentadoria especial, o tempo respectivo deve ser multiplicado por 1,4.
Portanto, no período de 11/05/1987 a 05/03/1997, computam-se 09 anos, 09 meses e 24 dias de tempo especial que, ao ser multiplicado por 1,4, resultará em 13 anos, 08 meses e 27 dias de tempo comum para fins de Aposentadoria por Tempo de Contribuição.
Contudo, após os embargos de declaração, o prazo foi retificado para 34 anos, 10 meses e 2 dias, ainda insuficiente para alcançar o requisito mínimo de 35 anos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Quanto ao direito à aposentadoria, a Constituição Federal dispõe sobre a aposentadoria por tempo de contribuição em seu art. 201, §7º, I, nos seguintes termos:
"Art. 201. (...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher."
Dessa forma, para fazer jus à aposentadoria por tempo de contribuição, o autor deve comprovar contar com 35 anos de contribuição até a data do requerimento administrativo.
Com base no acima exposto, o autor comprovou e teve reconhecido o seguinte período:
01/03/1980 a 14/04/1980 na empresa Vasconcelos e Rosan LTDA (1 mês e 14 dias)
03/02/1982 a 14/04/1983 no Serviço Militar/Ministério da Defesa (1 ano, 2 meses e 12 dias)
11/05/1987 a 31/10/2008 na empresa Vicente Mashahiro Okamoto (21 anos, 5 meses e 20 dias)
11/05/1987 a 05/03/1997 - Período convertido em especial (3 anos, 10 meses e 27 dias)
13/02/1984 a 16/12/1986 no ETEC (Colégio Agrícola) (1 ano, 10 meses e 3 dias)
01/01/2009 a 31/12/2012 na Prefeitura de Mateiros (4 anos)
05/01/2015 a 31/12/2016 na Prefeitura de Mateiros (1 ano, 11 meses e 26 dias)
Totalizando 34 anos, 10 meses e 2 dias.
Nessa perspectiva, ver-se que as provas constantes dos autos não são suficientes para amparar o direito reclamado pelo autor, pois, mesmo somando os períodos dos vínculos discutidos aos reconhecidos administrativamente pelo INSS (22 anos, 5 meses e 17 dias), o requisito de no mínimo 35 anos de contribuição para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ainda não foi preenchido, faltando pouco mais de oito meses para o cômputo total.
Portanto, a sentença não merece nenhuma censura, devendo ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Atualização monetária e juros de mora de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros harmonizam-se com a orientação que se extrai do julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810 da repercussão geral) e do REsp. 1.495.146-MG (Tema 905).
Honorários advocatícios mantidos conforme estabelecido na sentença.
Posto isso, nego provimento às apelações, nos termos da presente fundamentação.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000855-02.2017.4.01.4300
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, JOSIMAR FERREIRA DE ALMEIDA
Advogados do(a) APELANTE: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S, FELIPE VIEIRA SOUTO - TO6259-A
APELADO: JOSIMAR FERREIRA DE ALMEIDA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogados do(a) APELADO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S, FELIPE VIEIRA SOUTO - TO6259-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. PROVAS INSUFICIENTES PARA RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL ALÉM DO PERÍODO HOMOLOGADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, reconhecendo o período de 11/05/1987 a 05/03/1997 como especial e determinando sua conversão em tempo comum, sem deferir a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
2. A legislação vigente à época da prestação dos serviços determina os critérios para o enquadramento do trabalho como especial ou comum, constituindo direito adquirido do trabalhador. Até 28/04/1995, o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional é viável; a partir de 29/04/1995, exige-se a demonstração efetiva e contínua de exposição a agentes nocivos; a partir de 06/05/1997, a comprovação deve ser feita mediante formulário padrão, apoiado por laudo técnico ou perícia.
3. O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) não descaracteriza o tempo como especial, exceto quando há comprovação de sua eficácia para neutralizar os agentes nocivos, o que não se verifica em relação ao ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos.
4. A análise dos documentos apresentados indica provas insuficientes para o reconhecimento do tempo especial além do período de 11/05/1987 a 05/03/1997. A exposição a ruído de 94,6 dB(A) foi devidamente considerada até essa data.
5. A documentação inicial e subsequente fornecida pelo autor não demonstrou de forma robusta e contínua a especialidade dos períodos laborais após 05/03/1997.
6. Considerando as provas constantes dos autos, o autor comprovou o total de 34 anos, 10 meses e 2 dias de tempo de contribuição, não alcançando, portanto, o requisito mínimo de 35 anos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
7. Mantidos os honorários advocatícios conforme estabelecido na sentença, diante da sucumbência recíproca.
8. Recurso de apelação do INSS e recurso adesivo do autor desprovidos.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do voto do relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator